Resenha do livro “A Muralha de Ferro” de Avi Shlaim – Por Efraim Karsh

A resenha de Efraim Karsh demonstra que o livro “The Iron Wall“, traduzido no Brasil como “A Muralha de Ferro“, força uma noção mítica da História de Israel. Por Efraim Karsh...

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A resenha de Efraim Karsh demonstra que o livro “The Iron Wall“, traduzido no Brasil como “A Muralha de Ferro“, força uma noção mítica da História de Israel.

Por Efraim Karsh – Resenha do livro “A Muralha de Ferro” de Avi Shlaim
No verão de 1993 eu participei em uma discussão sobre o processo de paz árabe-israelense na conferência anual da Sociedade Britânica para os Estudos do Oriente Médio. Um governo liderado pelos trabalhistas e tendo como chefe Yitzhak Rabin, o mais pacifista da História de Israel, foi eleito no ano anterior com o comprometimento para a paz. Porém meu co-panelista, Avi Shlaim da Universidade de Oxford, não se impressionou. “Deixem-me contar uma anedota”, ele disse para reforçar seu ceticismo. “Quando perguntado sobre sua reação à mudança de regime em Israel, um velho palestino disse: ‘Você vê meu sapato esquerdo? Este é Yitzhak Rabin. Você vê meu sapato direito? Esse é Yitzhak Shamir. Dois Yitzhaks, dois sapatos, então qual é a diferença?’ “.
Para a maioria das pessoas irá fazer, é claro, uma diferença fundamental se eles colocarem o sapato direito no pé esquerdo, e vice-versa; não demorou muito para essa analogia se demonstrar errada com os acordos de Oslo e o processo de paz iniciado entre Israel e seus vizinhos. Mas, para Shlaim, parece não haver nenhuma diferença entre as atitudes da direita e da esquerda israelense em relação ao mundo árabe em geral, e aos palestinos em particular.
Esse ponto de vista é ilustrado pelo título de seu estudo sobre a política de Israel em relação ao mundo árabe – “A Muralha de Ferro” – termo emprestado de um artigo de 1923 escrito por Zeev Jabotinsky, pai fundador do sionismo revisionista e antecedente do partido Likud atual. No artigo Jabotinsky via a criação de uma base sionista invulnerável – política, diplomática e militarmente – como a única forma de convencer os árabes a desistir do seu esforço de obliterar a causa nacional judaica e aceitar uma solução negociada baseada em respeito e igualdade mútua. Mas Shlaim interpretou erroneamente este extenso conceito de poder como se fosse uma obsessão estreita em relação à força militar, atribuindo erroneamente esta obsessão tanto às políticas da esquerda quanto da direita israelense durante o século XX.
Shlaim concorda em seu livro que Jabotinsky reconhecia os direitos nacionais dos palestinos, era categoricamente oposto à sua expulsão da Palestina, e aceitava tranquilamente uma solução negociada baseado em respeito mútuo e direitos civis, assim que os árabes eliminassem de suas mentes a esperança de destruir o nacionalismo judaico. Porém isso não previne-o de de mostrar a História sionista/israelense como um catálogo de teimosia, agressão e obsessão com a força militar. O comprometimento árabe explícito em destruir a causa nacional judaica, e suas contínuas tentativas violentas para atingir esse objetivo desde o início da década de 1920, é convenientemente negligenciado, assim como as tentativas judaicas para conseguir uma coexistência pacífica. Ao invés disso, o leitor sai com uma impressão surreal do conflito, onde um pequeno e frágil mundo árabe é cercado por uma agressiva e expansionista superpotência judaica.
Em um breve ponto no tempo, após a assinaturados acordos de Oslo de 1993, Shlaim rasga sua análise indiscrimada ao conceder que as diferenças entre os trabalhistas e o Likud são “bem profundas, nos reinos tanto da ideologia quanto da prática política” (página 479 da edição original). Porém ele falha em rastrear essas divergências às suas origens reais, muito antes do estabelecimento do Estado de Israel. Em vez disso ele vê as políticas dos trabalhistas e dos revisionistas durante esse período prolongado como virtualmente idênticas, como se não houvesse diferença entre a aceitação trabalhista da resolução da ONU sobre a Partilha de novembro de 1947, com seu comprometimento explícito com a criação de um Estado árabe-palestino, e a rejeição dos revisionistas desta resolução, ou entre a adoção pelos trabalhistas da fórmula “terra por paz” após a guerra de 1967 e o comprometimento do Likud com a doutina do “Grande Israel”.
Mas a mais incrível acusação lançada contra o movimento sionista é o seu alegado “não-reconhecimento de uma entidade nacional palestina”, iniciando com Theodore Herzl, fundador do sionismo políticoMas novamente, Shlaim não falha em demolir sua própria acusação falsa. Primeiro ele reconhece que seria virtualmente impossível para Herzl reconhecer tal entidade nacional já que “a Palestina era uma província do Império Otomano, e um movimento nacional árabe estava apenas começando a a se desenvolver lá”. Ainda mais importante, Shlaim identifica Jabotinsky como “o primeiro líder sionista que reconheceu os palestinos como uma nação”. Ele não explica como o reconhecimento por um líder sionista proeminente em relação ao nacionalismo palestino em um estágio tão embriônico de desenvolvimento corresponde à alegada rejeição sionista a este movimento nacional palestino.
De fato, Jabotinsky foi precedido por outros líderes sionistas em reconhecer a entidade nacional palestina. Já em 1891, o pensador sionista Ahad HA-Am se referiu ao que pode ser definido como proto-nacionalismo árabe palestino (apesar de que isso pouco existia naquele momento). De maneira similar, em um discurso para a convenção anual sionista de 1922, o ativista trabalhista proeminente Haim Arlosoroff disse que “não há outra forma exceto o estabelecimento de um estado conjunto na Terra de Israel para judeus e árabes, como povos iguais”. E David Ben-Gurion , em numerosos artigos e discursos de 1915 em diante, repetidamente enfatizou os direitos nacionais árabes palestinos. “A comunidade árabe no país certamente possui o direito à auto-determinação, ao auto-governo”, ele declarou em 1924. “É inconcebível para nós negar estes direitos ou diminuí-los. A autonomia nacional que pedimos para nós, requistamos também para os árabes”.
O ponto culminante dessa tendência foi a aceitação sionista da resolução da ONU da Partilha estipulando a criação de um Estado árabe em parte da Palestina do mandato britânico. Como o ministro das Relações Exteriores Moshe Sharett disse em um encontro do gabinete israelense em 16 de junho de 1948, “Eu assumo… que é nosso ponto de vista unânime que uma Palestina árabe está aqui para ficar como um estado árabe separado, desconectado da Transjordânia e da Síria, mas ao invés disso um Estado árabe-palestino separado em um território específico da Palestina e dentro de suas fronteiras”.
É claro que não há nada de novo ou original na errônea idéia de que o sionismo negou reconhecimento dos direitos nacionais dos árabes palestinos. Essa idéia é tão velha quanto o próprio sionismo, tendo sido propagada por inimigos sucessivos da causa nacional judaica, de ativistas pan-árabes, a propagandistas soviéticos, até os “novos esquerdistas” ocidentais. Se muito, a “Muralha de Ferro” se compara desfavoravelmente com muitos destes precursores. Baseado principalmente em fontes secundárias, essa narrativa convencional do encontro do sionismo com o mundo árabe não possui a profundidade histórica e sociológica de Maxime Rodinson, a sofisticação cultural de Edward Said e o zelo retórico de Muhammad Hassanein Heikal.
Um velho sapato, realmente.

fonte: http://josepapomisc.blogspot.com/2007/08/resenha-do-livro-muralha-de-ferro-de.html

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