
Cercados pelo muro de concreto israelense e pela desesperança diante de um futuro incerto, os palestinos que residem no único campo de refugiados de Jerusalém convivem diariamente com sua particular “Nakba” (tragédia).
Hoje, 15 de maio, os palestinos estão de luto em memória à tragédia que para eles representou o estabelecimento do Estado de Israel em 1948, o exílio forçado e a perda de seus lares, sem que por enquanto haja perspectivas de solução para os milhões de refugiados e seus descendentes.
Em Shuafat, como em todos os campos de refugiados ao longo e da Cisjordânia, Faixa de Gaza, Líbano, Jordânia e Síria, será lembrada a efeméride 62 anos depois, para que geração após geração não esqueçam uma das questões fundamentais do conflito no Oriente Médio, considerada o marco histórico da causa palestina.
Estabelecido em 1966 pela Agência da ONU para o Socorro aos Refugiados Palestinos (UNRWA) para abrigar mais de 300 refugiados da guerra de 1948, Shuafat foi então a solução interina para aquelas famílias de deslocados que haviam saturado o campo de Mascar, que ficava no bairro judaico da cidadela antiga de Jerusalém.
Atualmente, Shuafat é um grande espaço onde se aglomeram cerca de 20 mil pessoas (15 mil são refugiados) e rodeado por enormes muros de concreto de 8 m de altura.
Para entrar e sair do superlotado campo, é preciso atravessar um posto de controle israelense, o que asfixia ainda mais os residentes, que ao amanhecer têm de enfrentar longas filas para ir ao trabalho, à escola ou a uma consulta médica.
“Nos últimos dois anos, muita gente perdeu o emprego porque não pôde chegar na hora pelos engarrafamentos no posto de controle. Todo dia, 700 estudantes o atravessam”, explica à Agência Efe Jamal Awad, responsável pelos serviços que a UNRWA presta no campo, como educação, saúde e infraestrutura.
A paisagem dominante, como na maioria dos campos de refugiados palestinos, é de cor cinza, do reboco das paredes e do precário asfalto que cobre as intrincadas ruas. Também é patente a falta de planejamento urbano e a pouca ou nula existência de saneamento básico.
À miséria, somam-se as incertezas dos refugiados, pois Shuafat está totalmente rodeado pelo muro, embora nos mapas fique do lado israelense.
“Não sabemos o que acontecerá conosco no futuro, se ficaremos do lado de Jerusalém ou da Cisjordânia”, diz Awad.
E pelo fato de Shuafat ser o único campo de refugiados dentro do perímetro de Jerusalém, Israel o considera seu “capital eterno e indivisível”, o que confere a seus moradores um status especial.
Não em vão, 70% dos que vivem no campo trabalham no setor privado israelense, segundo a UNRWA, ao qual têm acesso graças à posse de comprovantes de residência permanente em Jerusalém, o que lhes garante o direito de morar na cidade e ter acesso a determinados serviços sociais, inclusive sanitários.
Mas para Tayer Seik, um estudante de 23 anos, não por isso os habitantes de Shuafat se sentem privilegiados. “Você tem de sair de casa duas horas antes para passar pelo posto de controle. Se você tem a carteira azul (de residência israelense) é muito melhor que a verde (palestina), mas nos dois casos você tem de esperar”, disse.
A espera infinita e a passagem dos anos não conseguiram, no entanto, apagar a memória coletiva dos deslocados.
Na casa de Halil Munir Ahmad Jaber, 69 anos, com 11 filhos e 54 netos, a família não conserva a chave da antiga moradia, como é habitual entre as famílias de refugiados palestinos para manter as lembranças.
Não é preciso. O que ele guarda todos os dias são as lembranças de como milicianos judeus mataram seu tio e seu irmão no colo de sua mãe. Era uma sexta-feira de abril de 1948, em Deir Yassin, onde mais de uma centena de palestinos foram massacrados.
Na época, Jaber tinha apenas oito anos, mas lembra perfeitamente como os tiros fizeram com que o estômago de seu tio explodisse para todos os lados pela parede da casa. “Nós não lembramos amanhã. Para nós, é ‘nakba’ todos os dias”, diz, com o rosto abaixado.