
15/05/2007
De acordo a lei israelense, qualquer um pode ser definido como “agente estrangeiro”
Azmi Bishara
Sou palestino de Nazaré, um cidadão de Israel e, até o mês passado, era membro do parlamento israelense.
No entanto, agora, em uma irônica mudança, fruto da reminiscência do assunto Dreyfuss na França –no qual um judeu francês foi acusado de deslealdade ao estado-, o governo de Israel está me acusando de haver ajudado o inimigo durante a fracassada guerra de Israel contra o Líbano no mês de julho do ano passado.
Ao que parece, a polícia israelense suspeita que eu tenha passado informações a um agente estrangeiro e que tenha recebido dinheiro em troca. Segundo a lei israelense, qualquer um –seja um jornalista ou um amigo pessoal – pode ser definido como “agente estrangeiro” pelo aparato de segurança israelense. Tais acusações podem condenar uma pessoa à cadeia perpétua e, inclusive, à pena de morte.
As alegações são ridículas. Nem o que dizer do Hizbollah –o inimigo israelense no Líbano- que reuniu de forma independente mais informações sobre a segurança Israel que nenhum membro árabe da Knesset poderia possivelmente ter conseguido. Além disso, à diferença dos que estão no parlamento israelense que se viram implicados em atos de violência, eu nunca usei a violência nem participei de guerras. Ao contrário, minhas ferramentas são a persuasão e o uso da palavra em livros, artigos e discursos.
Essas falsas acusações, que rechaço e nego com toda firmeza, constituem somente o último de uma série de intenções de silenciar a mim e a outros que estão implicados na luta dos cidadãos árabes palestinos de Israel para viver em um estado que acolha todos seus cidadãos, não em um que garanta direitos e privilégios aos judeus e os negue aos não judeus.
Em 1948, quando foi estabelecido o Estado de Israel, mais de 700.000 palestinos foram expulsos ou fugiram aterrorizados. Minha família estava entre a minoria que escapou desse destino, permanecendo sobre a terra onde haviam sempre vivido. O estado israelense, estabelecido exclusivamente para judeus, embarcou imediatamente na tarefa de nos transformar em estrangeiros em nosso próprio país.
Durante os primeiros dezoito anos de “estatalidade” israelense, nós, como cidadãos israelenses, vivemos sob leis militares com normas de trânsito que controlavam todos nossos movimentos. E tivemos que contemplar como surgiam as cidades israelenses judias sobre nossos destruídos povos palestinos.
Atualmente formamos 20% da população de Israel. Não bebemos água em fontes separadas nem nos sentamos na parte traseira dos ônibus. Votamos e podemos servir no parlamento. Entretanto, nos vemos obrigados a enfrentar discriminação legal, institucional e informal em todas as facetas de nossas vidas.
Mais de 20 leis israelenses privilegiam de forma explícita os judeus dos não judeus.A Lei do Retorno, por exemplo, garante a cidadania automática aos judeus de qualquer parte do mundo. No entanto, é negado aos refugiados palestinos o direito de regressar ao país de que foram forçados a mudar-se 1948. A Lei Básica da Dignidade e das Liberdades Humanas –a “Carta de Direitos” de Israel – define o estado como “judeu” ao invés de um estado para todos seus cidadãos. Dessa forma, Israel é mais um estado para os judeus que vivem em Los Angeles ou em Paris do que para seus palestinos nativos.
Israel se define como um estado de um grupo religioso particular. Qualquer um que esteja comprometido com a democracia admitirá facilmente que uma cidadania com igualdade não pode existir em tais condições.
A maior parte de nossas crianças não vão somente a colégios separados, mas também colégios desiguais. Segundo pesquisas recentes, dois terços dos judeus israelenses se negariam a viver perto de um árabe e quase a metade não permitiriam que um palestino entrasse nos seus lares.
É verdade que levantei suspeitas em Israel. Além de falar dos temas anteriores, também defendi o direito do povo libanês, e do povo palestino na Cisjordânia e da Faixa de Gaza a resistir à ocupação militar ilegal de Israel. Não considero inimigos aqueles que lutam por liberdade.
Isto pode incomodar aos judeus israelenses, mas não podem nos negar nossa história e identidade, da mesma forma que não podemos negar os laços que os unem ao mundo judeu. Além disso, não fomos nós, mas os judeus israelenses, que imigraram a esta terra. Pode-se pedir aos imigrantes que deixem sua identidade anterior em troca de uma cidadania em igualdade, mas nós não somos imigrantes.
Durante meus anos na Knesset, o fiscal geral me acusou de manifestar minhas opiniões políticas (as acusações foram desestimadas), pressionou para que minha imunidade parlamentar fosse revogada e buscou sem êxito desqualificar meu partido político para que eu não pudesse participar das eleições. Por tudo isso, acredito que Israel deveria ser um estado para todos seus cidadãos e porque isso falei contra a ocupação militar israelense. No ano passado, o membro do gabinete Avigdor Lieberman –um imigrante da Moldávia- declarou que os cidadãos palestinos de Israel “não têm lugar aqui”, que deveríamos “pegar nossas coisas e ir embora”. Depois de me reunir com um dirigente do Hamas da Autoridade Palestina, Lieberman pediu minha execução.
As autoridades israelenses estão tratando de intimidar não só a mim, mas todos os cidadãos palestinos de Israel. Mas não vão conseguir. Não nos farão inclinar a cabeça em vassalagem permanente na terra de nossos antepassados, nem vão amputar nossos vínculos naturais com o mundo árabe. Nossos dirigentes comunitários se reuniram recentemente para publicar um antiprojeto para um estado livre de discriminações étnicas e religiosas em todas as esferas. Se voltássemos atrás agora no nosso caminho rumo à liberdade, as futuras gerações teriam que enfrentar a mesma discriminação que enfrentamos durante seis décadas.
Os norte-americanos conhecem, por nossa própria história de discriminação institucional, as tácticas que se utilizaram contra os defensores dos direitos civis. Estas táticas incluem grampos telefônicos, vigilância policial, deslegitimação política e criminalização da dissensão mediante falsas acusações. Israel continua utilizando essas táticas em uma época em que o mundo não as tolera por serem incompatíveis com a democracia.
Por que então o governo dos Estados Unidos continua dando apoio total a um país cujas instituições e identidade se baseiam na discriminação étnica e religiosa que vitimiza seus próprios cidadãos?
Tradução Daneila Mateus
Link do texto original em inglês: