
Mahmud Darwish
Meu país, longe de mim, como meu coração
Meu país, perto de mim, como minha prisão
Por que eu canto aqui
Se meus olhos estão longe?
Por que canto
Por uma criança dormida na relva
Com uma faca suspensa sobre sua cabeça?
Por que esta canção
Se minha mãe me estende os braços
E morre na minha frente
Numa nuvem de âmbar?
Penso estar voltando ao que deixei
Penso que ando na frente de mim mesmo
Entre palácios e alegrias
Descubro a harmonia
Sou uma criança de palavras simples
A mártir dos mapas
Sou a flor do do pessegueiro da família
Ó vocês, que tomaram até o impossível
Desde o início, até a Galiléia
Me dêem de volta as minhas mãos
Me dêem de volta a minha identidade!
Eu sou a testemunha dos massacres
E dos mapas
Sou uma criança de palvras simples
Vi como cresciam asas nas pedras
E como a chuva se transformava em armas
Quando trancaram a porta do meu coração
A abriram trincheiras no meu corpo
Decretaram o toque-de-recolher
O bairro da minha infância ressuscitou em mim
Minhas costas se transformaram nas pedras de suas casas
Os carvos desabrocharam
Os carvos desaborcharam
Noite tão curta
Na cidade abandnada
Olhos fechados
Volto, depois de trinta anos
E cinco guerras
Para testemunhar que o tempo
Guardou alguma coisa para mim
O cantor canta
Sobre os estrangeiros e o fogo
Era uma noite obscura
e o cantor cantava
o interrogaram
por que canta?
Responde:
Porque estou cantando
Procuraram no seu peito
Procuraram no seu coração
Não encontraram mais do que tristeza
Procuraram na sua tristeza
Não acharam mais do que sua prisão
Procuraram na sua prisão
E só encontraram eles mesmos, acorrentados
Atrás das montanhas
O cantor dorme, só
E no mês de Março
As sombras crescem sobre ele
Sou a terra
Ó vocês, que procuram até a semente do trigo no seu berço
Passem o arado sobre mim
Vocês, que vão às montanhas
Passem sobre mim
Vocês que vão aos rochedos de Jerusalém
Caminhem sobre mim
Vocês que caminham sobre meu corpo
Vocês não passarão
Eu sou terra feita corpo
E vocês não passarão
Eu sou a terra que se ergue
E vocês não passarão
Eu sou a terra
Passageiros da terra que se levanta
Não passarão
Não passarão
Não passarão