
O sionismo pode ser considerado uma forma de racismo?
SIM
Dois pesos e duas medidas
EMIR SADER
Segundo a Comissão Internacional pela Eliminação de Todo Tipo de Discriminação Racial, esta se define por “qualquer distinção, exclusão, restrição ou prejuízo baseado em raça, cor, descendência ou em origem étnica ou nacional que tem como objetivo ou efeito anular ou prejudicar o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em bases iguais, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais nos planos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública”.
O sionismo, como doutrina do Estado de Israel, assim como a ação desse Estado na ocupação dos territórios palestinos, corresponde plenamente a essa ampla e reconhecida definição da discriminação racial. A minoria de palestinos -cerca de 20%- residente em Israel é considerada cidadãos de segunda categoria.
Já na sua constituição, Israel possui leis que patrocinam o retorno dos judeus, reservando terras exclusivamente para eles, financiando escolas sionistas, assumindo-se efetivamente como um Estado confessional e baseado em critérios biológicos, que excluem -discriminam- por definição os não-judeus.
A instalação do Estado de Israel se deu mediante um vasto processo de limpeza étnica, com todos os tipos de crimes contra a então majoritária população palestina: se em 1947 os judeus possuíam 7% das terras da Palestina, em 1950 se haviam apropriado de 92%, dando início a um processo de colonização, forma que assumiu a opressão aos palestinos, num novo modo de colonialismo.
A resolução da ONU determina a existência de dois Estados. O Estado de Israel existe há mais de 50 anos, enquanto a existência de um Estado Palestino é bloqueada pela ocupação militar israelense e pelo veto dos Estados Unidos no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
A inexistência do Estado palestino já configura uma discriminação, pela expropriação de um direito político fundamental. Os acordos de Oslo ou as propostas do governo de Ehud Barak nunca aceitaram o direito a um Estado palestino com as mesmas condições do Estado de Israel: com continuidade territorial -cerca de 200 mil colonos judeus foram conscientemente instalados em território palestino-, com o retorno dos milhões de refugiados palestinos -direitos de que gozaram os judeus e que são negados aos palestinos.
Ao considerar os judeus “povo escolhido”, o massacre que sofreram não é similar aos que sofreram e sofrem outros povos ou ao que infligem aos palestinos, o que, por si só, funciona como fundamento doutrinário da discriminação racial. Não se consideram cidadãos do mundo, indignados e revoltados com toda e qualquer injustiça que se cometa contra qualquer ser humano.
O sionismo se constituiu assim como uma forma específica da discriminação racial fundada no colonialismo ocidental contra todos os outros povos, amparado na oposição entre civilização e barbárie, em que os brancos, ocidentais e cristãos representariam aquela e os “outros” -negros, asiáticos e árabes entre eles- personificariam a barbárie, imagem discriminatória consolidada por Hollywood.
Israel se considera uma espécie de “ilha de civilização” cercada pela barbárie, o que lhe reforçaria o suposto “direito” aos privilégios que se atribuem, mas que negam aos palestinos. A forma violenta, opressiva e humilhante como tratam os palestinos em seus territórios é uma prova cotidiana da discriminação aos mesmos (não por acaso, Israel foi aliado estratégico ativo do regime de apartheid da África do Sul).
Sem dois Estados com igualdade de condições -território delimitado, retorno dos refugiados, Exército, acesso a fontes de água-, isto é, sem discriminação de nenhum tipo, não haverá justiça nem paz duradoura no Oriente Médio. A pátria dos humanistas é a humanidade e o seu mundo é aquele em que caibam todos os mundos.
Emir Sader, 58, é professor de sociologia da USP (Universidade de São Paulo) e da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e autor de “Século 20 – uma Biografia Não-Autorizada” (Perseu Abramo), entre outras obras.