
O lobby do Holocausto
Emir Sader
A pior coisa que aconteceu aos judeus foi a colônia judia dos Estados Unidos ter descoberto o Holocausto. “A afirmação é de um judeu norte-americano, Norman Finkelstein – autor do livro A lndústria do Holocausto, da editora inglesa Verso, que a Record vai publicar no Brasil -, cujos pais estiveram em campos de concentração nazistas e que, ao contrário do resto da família, conseguiram sobreviver. Não se trata, portanto, de alguém que negue o fenômeno da operação alemã de extermínio dos judeus. O que ele nega é tanto o caráter único que se quer dar (esquecendo-se, por exemplo, dos vietnamitas e dos palestinos, entre tantos outros) como a exploração – propagandística e econômica – que se faz do que se convencionou chamar de “Holocausto”, com maiúscula.
O “Holocausto” é, para ele, uma “representação ideológica do holocausto nazista. Sua exploração faz parte da performance do grupo étnico de maior sucesso no Estados Unidos, na sua operação de fazer do Estado de Israel um “Estado vítima”, operação de que Elie Wiesel – o prêmio Nobel da Paz, cujas conferências custam 25.000 dólares mais chofer com limusine – seria o principal intérprete. A exploração é tão imoral para Norman, que ele chega a afirmar: “Eu às vezes penso que a ‘descoberta’ judia do holocausto nazista foi pior que se ele eventualmente tivesse sido esquecido”. E cita John Stuart Mill, para quem verdades não submetidas continuamente a um desafio “deixam de ter o efeito de verdade pelos exageros, tornando-se falsidades”.
Gore Vidal jà havia chamado a atenção de como se tendia a dar mais importância ao holocausto judeu do que à própria guerra civil norte-americana. Há pesquisas que demonstram que mais norte-americanos conseguem identificar o holocausto do que Pearl Harbor ou o bombardeio atômico de Hiroxima, de tal forma aquele tema invadiu os cursos e publicações universitárias nos EUA.
Norman fala de “descobertas do holocausto, porque até os anos 60 o fenômeno era praticamente desconhecido nos EUA, apesar da imensa colônia judaica no país – a ponto de ele dizer que, “sem exagero, um de cada judeu que se encontra em Manhattan diz que é sobrevivente dos campos de concentração” (e o faz perguntar-se então quantos judeus havia na Europa e quantos morreram, para que tantos tivessem escapado). A colônia judaica se opunha à reiteração do tema, para evitar sua discriminação, buscando reforçar a tese da integração como cidadãos norte-americanos. Além de que a Alemanha Ocidental era um aliado fundamental dos EUA e – como a maioria deste país – composta etnicamente por brancos, protestantes e ocidentais. Assim, a criminalização da Segunda Guerra Mundial ficou reservada aos japoneses, como Hollywood se encarregou de reforçar. A lembrança do holocausto era feita pela URSS e pela Alemanha Oriental, sendo considerada um tema de esquerda, tematizada apenas por Chomsky e por HannaArendt, contra a corrente da colônia. A Guerra Fria fez com que até casal Rosenberg fosse condenado como “realmente não-judeu” por entidades da colônia, por ter “traído” os EUA.
A grande virada veio com a guerra de 1967, depois de, ainda durante a crise do canal de Suez, de 1956, EUA e URSS terem atuado contra a posição inglesa, francesa e israelense. Até ali, tema de Israel não era importante para a colônia, que não visitava o país nem escrevia sobre ele. A partir daquela guerra é que os alinhamentos se fizeram mais claros – os árabes apoiados pela URSS e Israel pelos EUA – e as condições estavam dadas para a “descoberta” – ainda que tardia – do “Holocausto” como o maior acontecimento da história.
Hoje não passa uma semana sem que o New York Times publique um relato ligado ao holocausto. O número de pesquisadores sobre o tema nas universidades norte-americanas é de cerca de 10.000. Comparado com o massacre do Congo, por exemplo, onde entre 1891 e 1911 cerca de 10 milhões de africanos morreram mediante a exploração do marfim e da borracha, e acaba de sair agora o primeiro livro sobre o tema, ou da morte de 20 milhões de russos na resistência à Alemanha nazista, de que os norte-americanos só ficaram sabendo depois do fim da URSS, tem-se uma idéia da extensão das pesquisas nas últimas décadas e do sucesso do lobby do holocausto.
A história real do fenômeno nazista – suas raízes e formas de funcionamento real -, por sua vez, fica relegada a versões “históricas” como o filme de Spielberg. Os norte-americanos, por exemplo, não sabem que Hitler invocou explicitamente o caso norte-americano de esterilização na conquista do Oeste para justificar o uso desse procedimento contra os judeus. Wiesel foi convocado para interceder junto ao governo de Israel para deixar de vender armas para a ditadura guatemalteca, que perpetrava genocídios contra ao populações indígenas, mas se negou a fazê-lo. O Centro Simon Wisenthal condecorou a ex-secretária de Estado norte-americana durante o governo Reagan, Jeane Kikpatrick, com um prêmio humanitário, quando ela promovia as matanças na América Central. Isso como resultado da idéia de que o único genocídio propriamente dito teria sido o holocausto, ao qual tudo deve ser subordinado. A própria escravidão nos EUA não merece nenhum memorial, como aquele reservado às vítimas do holocausto.
Norman se atribui a missão de fazer justiça às vitimas do holocausto nazista, separando-as da sua exploração política e financeira, da qual a demanda de reparações econômicas – das quais nada chegou até agora às famílias dos sobreviventes – é o último capítulo. “O gesto nobre para os que morreram é preservar sua memória, aprendendo de seu sofrimento e deixando-os, finalmente, descansar em paz”, conclui Norman.
Emir Sader é jornalista e escritor e publicou o texto acima na revista Caros Amigos número 42 de setembro de 2000.