
12/05/2007
Joseph Massad
Al-Ahram Weekly
Os esforços de Israel pela paz são sinceros. De fato, Israel deseja viver em paz não somente com seus vizinhos, mas também e especialmente com sua própria população palestina, e com os palestinos cujas terras ocupa pela força. O desejo de paz de Israel não é só retórico, mas concreto e profundamente psicológico. Com poucas exceções, os líderes sionistas mais proeminentes, desde as origens mesmas do sionismo colonial, desejaram estabelecer a paz com os palestinos e os demais árabes cujos países decidiram tomar para sua ocupação e assentamento. A única coisa que Israel reclamou, e continua reclamando para terminar com o estado de guerra contra os palestinos e seus vizinhos árabes, é que todos eles reconheçam seu direito de ser um estado racista, que discrimina por lei os palestinos e outros árabes e que garante direitos legais diferenciados e privilégios a seus próprios cidadãos judeus. A resistência que o povo palestino e outros árabes organizaram contra o direito de Israel de ser um estado racista é o que continua interpondo-se entre Israel e a paz pela qual lutou durante décadas. De fato, esta resistência não é nada menos que o “novo antisemitismo”.
Israel está disposto a fazer o que for para convencer os palestinos e os demais árabes de que necessita gozar do direito de ser racista. Inclusive, em nível teórico, e antes que começasse a ser construído realmente o projeto colonial sionista, buscou diferentes formas para convencer os povos cujas terras queria roubar e àqueles a quem queria discriminar de que admitissem como aceitável sua necessidade de ser racista. Tudo o que pediam é que os palestinos “reconhecessem seu direito de existir” como um estado racista. Os métodos militares não foram os únicos instrumentos persuasivos disponíveis; também houve outros, incluindo os incentivos econômicos e culturais. O sionismo desde o começo ofereceu a alguns palestinos benefícios econômicos se eles aceitassem sua proposta do direito de ser racista. De fato, o Estado de Israel ainda o faz. A muitos funcionários da Autoridade Palestina e da Organização para a Libertação da Palestina foi oferecido e aceitos numerosos incentivos econômicos para reconhecer esta crucial necessidade israelense. Aqueles entre os palestinos que deploravelmente continuam resistindo são penalizados por sua intransigência com a asfixia econômica e a fome, com bombardeios regulares e ataques, assim como com o isolamento internacional.
Com estes persuasivos métodos, assim espera Israel, convencerão finalmente essa recalcitrante população para que aceite a necessidade de Israel ser um estado racista. Depois de tudo isso, o racismo israelense somente se manifesta na sua bandeira, no seu hino nacional e em um punhado de leis que são necessárias para salvaguardar os privilégios dos judeus, incluídas a Lei do Retorno (1950), a Lei da Propriedade Ausente (1950), a Lei da Propriedade do Estado (1951), a Lei de Cidadania (1952), a Lei do Status (1952), a Lei de Administração das Terras de Israel (1960), a Lei de Construção e Edificação (1965) e a lei de 2002 proibindo os matrimônios entre israelenses e palestinos dos territórios ocupados.
Vamos começar falando porque Israel e o sionismo necessitam assegurar que Israel continue sendo um estado racista por lei, e por que acreditam ser merecedores de tal direito. A argumentação é tripla e está baseada nas seguintes afirmações:
Os judeus estariam sempre em perigo no mundo aberto; somente em um estado os privilégios religiosos e raciais poderiam estar a salvo da opressão dos “gentis” e poderiam prosperar. Se Israel acabasse com suas leis e símbolos racistas, se tornasse um estado democrático não-racista, os judeus poderiam deixar de ser uma maioria e se tornariam o mesmo que os judeus da Diáspora: uma minoria em um estado não-judeu. Estas preocupações foram expostas claramente pelos dirigentes israelenses, tanto individual como coletivamente. Shimon Peres, por exemplo, se queixou durante um tempo do “perigo” demográfico palestino, na medida em que a linha Verde que separa Israel da Cisjordânia está “começando a desaparecer, o que pode levar a unir os futuros dos palestinos da Cisjordânia e dos árabes israelenses”. Peres espera que a chegada de 100.000 judeus a Israel possa adiar este “perigo” demográfico por mais de uma década, embora finalmente, como ele ressalta, “a demografia vença a geografia”.
Em dezembro de 2000, o Instituto de Política e Estratégia doHerzliya Interdisciplinary Centre, em Israel, começou suas séries de conferências anuais sobre a força e a segurança de Israel, especialmente centradas na questão de manter a maioria demográfica judia. O presidente de Israel e os atuais e anteriores primeiros ministros e ministros aceitaram por completo. Um dos “pontos principais”, ressaltados no informe de 52 páginas sobre as conferências, é a preocupação sobre o número necessário para que os judeus mantenham a supremacia demográfica e política de Israel: “O alto índice de natalidade dos “árabes israelenses” coloca a questão do futuro de Israel como um estado judeu… As atuais tendências demográficas colocam em perigo o futuro de Israel como estado judeu. Israel tem duas opções estratégicas: adaptação ou contenção. A última requer uma enérgica política demográfica sionista de longo alcance, cujos efeitos políticos, econômicos e educativos garantam o caráter judeu de Israel.”
O informe acrescenta afirmativamente que “os que apóiam a preservação do caráter de Israel como um estado judeu para a nação judia constituem maioria entre a população judaica de Israel”. Logicamente isto suponhe a manutenção de todas as leis racistas que garantem o caráter judaico do estado. Os seguintes encontros anuais confirmaram este compromisso.Os judeus seriam os portadores da civilização ocidental e constituiriam um baluarte na Ásia para defender tanto a civilização ocidental como seus interesses econômicos e políticos frente ao terrorismo e à barbárie do Oriente. Se Israel se transformasse em si mesmo em um estado não-racista, sua população árabe poderia arruinar seu compromisso com a civilização ocidental e sua defesa dos interesses econômicos e políticos ocidentais, podendo inclusive chegar a transformar os próprios judeus em uma população bárbara oriental. Assim expressou Ben Gurion em uma ocasião: “Não queremos que os judeus se convertam em árabes. Temos o dever de lutar contra o espírito de Oriente, que corrompe os indivíduos e as sociedades, e de preservar os autênticos valores judaicos tal e como cristalizaram na Diáspora [européia]”. Sem dúvida, Ben Gurion foi claro sobre o papel sionista na defesa de tais princípios: “Nós não somos árabes, e devemos ser medidos com uma régua diferente… Nossos instrumentos de guerra são diferentes dos árabes, e somente nossos instrumentos podem garantir nossa vitória”. Mais recentemente, Naftali Tamir, embaixador de Israel na Austrália, afirmou que: “Estamos na Ásia sem ter as características dos asiáticos. Não temos a pele amarela nem os olhos puxados. A Ásia é fundamentalmente da raça amarela. Austrália e Israel não são – nós somos basicamente da raça branca.”
Deus havia dado a terra aos judeus e lhes havia dito que se protegessem dos “gentis” que os odeiam. Fazer de Israel um estado não-judeu seria correr o risco de desafiar o próprio Deus. Esta posição não é somente mantida pelos fundamentalistas cristãos e judeus, mas inclusive por sionistas laicos (tanto judeus como cristãos). Ben Gurion entendeu dessa forma (“Deus nos prometeu isso”); também Bill Clinton e George W. Bush.
É importante ressaltar que estes argumentos sionistas somente são válidos se se aceita previamente a proposição do excepcionalismo judeu. É bom lembrar que o sionismo e Israel são muito cuidadosos em não generalizar os princípios que justificam a necessidade de Israel de ser racista, ou seja, são veementes em mantê-los como um princípio excepcional. Não é que os outros povos não tenham sido oprimidos historicamente, é que os judeus foram mais oprimidos. Não é que a existência cultural e física de outros povos não tenha sido ameaçada, é que a existência cultural e física dos judeus tem sido mais ameaçada. Estas equações quantitativas são a chave de porque o mundo, e especialmente os palestinos, devem reconhecer que Israel necessita e merece o direito de ser um estado racista. Se os palestinos ou algum outro recusam isto, é porque estão decididos à aniquilação física e cultural do povo judeu, sem mencionar que estariam enfrentando o Deus judaico-cristão.
É um fato que não é fácil persuadir os dirigentes palestinos e árabes acerca das necessidades especiais de Israel; já são décadas de assíduos esforços por parte de Israel para convencê-los, especialmente mediante instrumentos “militares”. Nas últimas três décadas, houve sinais de mudanças. Embora Anwar El-Sadat tenha inaugurado esta mudança em 1977, demorou muito para Yasser Arafat reconhecer as necessidades de Israel. No entanto, Israel continuou pacientemente e se tornou mais inovador nos seus instrumentos persuasivos, especialmente nos militares. Quando Arafat recobrou a juízo e assinou os acordos de Oslo de 1993, reconheceu por fim o direito de Israel a ser racista e discriminar legalmente seus próprios cidadãos palestinos. Devido a este tardio reconhecimento, um magnânimo Israel, sempre desejoso de paz, decidiu negociar com ele. No entanto, ele continuou resistindo em alguns assuntos, porque Arafat esperou que seu reconhecimento da necessidade de Israel de ser racista dentro de Israel seria em troca do fim do sistema racista israelense de apartheid nos territórios ocupados. E isso foi sem dúvida um mal-entendido da sua parte. Os líderes israelenses explicaram a ele e a seu principal negociador de paz, Mahmud Abbas, em discussões homéricas que duraram sete anos: que as necessidades de Israel não se limitam a impor suas leis racistas dentro de Israel, mas que estas devem se estender também aos territórios ocupados. Arafat surpreendeu a todos não contentando-se com as terras que Israel ofereceu ao povo palestino em Cisjordânia e em Gaza, ao redor dos assentamentos coloniais judeus que Deus havia garantido aos judeus. Os Estados Unidos foram chamados para que persuadissem o maleável dirigente de que a solução dos “bantustões” não era tão má. De fato, outros colaboradores tão honráveis como Arafat haviam aproveitado de seus benefícios, como Mangosutho Gatcha Buthelezi na África do Sul do Apartheid. Não havia do que se envergonhar por aceitá-la. O presidente Clinton insistiu com Arafat em Camp David no verão de 2000. Mas, enquanto Abbas ficou convencido, Arafat permaneceu indeciso.
Em 2002 Arafat reafirmou seu reconhecimento da necessidade de Israel de ter leis racistas dentro do país, ao desistir do direito de retorno dos seis milhões de exilados palestinos, aos quais, em virtude da racista lei de retorno israelense, são impedidos de retornar aos seus lares dos quais Israel os expulsou, enquanto os judeus cidadãos de outros países obtêm automaticamente a cidadania em uma Israel que a maioria deles nunca viu anteriormente
No The New York Times Arafat declarou: “Compreendemos as preocupações demográficas de Israel, e compreendemos que o direito de retorno dos refugiados palestinos, um direito garantido pela lei internacional e a resolução 194 das Nações Unidas, deve ser tratada de forma que leve em conta tais preocupações”. Arafat afirmou que estava tentando negociar com Israel “soluções criativas sobre a grave situação dos refugiados respeitando ao mesmo tempo as preocupações demográficas de Israel”. Isto, no entanto, não era suficiente, dado que Arafat continuava sem ser persuadido da necessidade de Israel de impor seu apartheid racista nos territórios ocupados. Israel não teve outro remédio que o isolar, mantê-lo baixo prisão domiciliar e, possivelmente, envenená-lo no final.
O presidente Abbas, entretanto, aprendeu com os erros de seu antecessor e mostrou estar mais aberto aos argumentos israelenses acerca da necessidade de impor seu sistema deapartheid racista na Cisjordânia e Gaza, e de que a legitimidade deste apartheid deve ser reconhecida pelos próprios palestinos como uma condição necessária para a paz. Abbas não foi o único dirigente palestino a ser convencido. Outros dirigentes palestinos ficaram tão convencidos que ofereceram ajuda para construir a infra-estrutura do apartheid israelense, subministrando a Israel a maior parte do cimento que necessitava para construir suas colônias somente para judeus e o Muro do Apartheid.
O problema agora era Hamas, que mesmo querendo reconhecer Israel, permanecia negando o reconhecimento da sua especial necessidade de ser racista dentro da Linha Verde e de impor um sistema de apartheid no interior dos territórios ocupados. Este tema foi trazido à Arábia Saudita no mês passado, durante a reunião na cidade de Meca. Quem poderia, diziam de maneira admirada os sauditas, romper um acordo no qual os líderes das vítimas do racismo e a opressão israelense prometeram solenemente reconhecer a necessidade especial de seu opressor a oprimi-los? Hamas resistiu a esta fórmula, que Al-Fatah apoiou durante cinco anos, concretamente a “incorrer” neste reconhecimento crucial. Hamas dizia que tudo o que podia fazer era “respeitar” os acordos passados que a Autoridade Palestina havia assinado no seu dia com Israel e que reconheciam seu direito de ser racista. Isto, insistem Israel e os Estados Unidos da América, é insuficiente e os palestinos vão continuar sendo isolados, apesar do “respeito” do Hamas ao direito de Israel de ser racista. A condição para a paz, tal como a entendem Israel e os Estados Unidos de América, é que tanto Hamas como Al-Fatah reconheçam e assumam o direito de Israel de ser um estado de apartheid tanto dentro da Linha Verde, como em Cisjordânia e Gaza. E não existe nada que negociar aqui. Na seguinte reunião entre Condie Rice, Ehud Olmert e o exaltado presidente da Autoridade Palestina, Abbas, Olmert interrogou Abbas acerca de quanto seguia apoiando a necessidade israelense de apartheid nos territórios ocupados. Uma reunião menor foi celebrada sobre as mesmas bases há alguns dias. Abbas esperou que as duas reuniões pudessem convencer Israel a terminar os preparativos dos “bantustões” que ele pensa mandar, mas Israel, compreensivelmente, se sentiu inseguro e quis assegurar-se de que o próprio Abbas estava ainda apoiando seu direito de impor o apartheid primeiro. Enquanto isso, conversas “secretas” israelenses-sauditas deram a Israel a esperança de que a próxima reunião da Liga Árabe em Riad possa muito bem cancelar o direito palestino ao retorno, que está até agora garantido pela lei internacional, e afirmar a inviolabilidade do direito de Israel de ser um estado racista garantido pela diplomacia internacional. Todos os esforços de Israel para conseguir a paz finalmente dariam seus frutos, se os árabes concedessem o que a mediação internacional já concedeu a Israel antes deles.
Deve ficar claro que neste contexto internacional todas as soluções existentes ao que se chama de “conflito” palestino-israelense garantiriam a necessidade israelense de manter suas leis racistas e seu caráter racista, e seu direito de impor oapartheid na Cisjordânia e em Gaza. O que Abbas e os palestinos podem negociar e o povo palestino e aos demais árabes são convidados a participar são as características políticas e econômicas (mas não geográficas) dos “bantustões” que Israel está preparando para eles na Cisjordânia, assim como as condições do assédio com relação à Grande Prisão chamada Gaza e às outras menores da Cisjordânia. Não nos equivoquemos sobre isto, Israel não negociará sobre nenhuma outra cosa, porque fazê-lo poderia ser equivalente a renunciar ao seu domínio racista.
E para aqueles entre nós que insistem que nenhuma resolução será factível até que Israel revogue todas suas leis racistas, abrindo então o caminho a um futuro não racista para os palestinos e judeus, em um estado descolonizado bi-nacional, Israel e seus apoiadores têm uma resposta já preparada. Uma resposta que redefine o significado de “antisemitismo”.Antisemitismo já não é o ódio e a discriminação contra os judeus como grupo religioso ou étnico; na era do sionismo, “antisemitismo” se transformou em algo mais insidioso. Atualmente, tal como Israel e seus partidários no Ocidente defendem, o antisemitismo genocida consiste principalmente em qualquer tentativa de rechaçar o direito absoluto de Israel de ser um estado judeu racista.