
Esta semana, o Knesset [Parlamento israelita] votou por uma larga maioria (47 a 34) uma lei que ameaça de prisão quem se atrever a negar que Israel é um Estado Judeu e Democrático.
O projecto de lei, proposto a nível individual pelo membro do Knesset, Zevulun Orlev, do partido “Lar Judaico”, navegou através da sua audiência preliminar e promete um ano de prisão para quem publicar “um apelo que negue a existência do Estado de Israel como um Estado Judeu e Democrático”, se o conteúdo do apelo puder causar” acções de ódio, desprezo ou deslealdade contra o Estado ou as instituições do governo ou dos tribunais “.
Qualquer um pode prever os próximos passos. Não é espectável que um milhão e meio de cidadãos árabes reconheçam Israel como um Estado Judeu e Democrático. Querem que ele seja “um estado de todos os seus cidadãos” – judeus, árabes e outros. Afirmam também com razão que Israel discrimina-os, e que, portanto, não é verdadeiramente democrático. Além disso, também há judeus que não querem que Israel seja definido como um Estado judeu no qual os não-judeus tenham um estatuto, na melhor das hipóteses, de intrusos tolerados.
As consequências são inevitáveis. As prisões não serão capazes de conter todos os condenados por esse crime. Haverá necessidade de campos de concentração por todo o país para albergar todos os que desmintam a democracia israelita.
A polícia não será capaz de lidar com tantos criminosos. Será necessário criar uma nova unidade. Que poderá ser designada por chamado de “Special Security” [“Segurança Especial”], ou, abreviadamente, SS.
Esperemos que estas medidas sejam suficientes para preservar nossa democracia. Se não, medidas mais rigorosas terão de ser tomadas, como a revogação da cidadania dos negacionistas da democracia, deportando-os do país, juntamente com os judeus esquerdistas e todos os outros inimigos da democracia judaica.
Após a leitura preliminar do projecto de lei, agora segue para o Comité Jurídico do Knesset, que irá prepará-lo para o primeiro, e logo depois para a segunda e terceira leituras. Dentro de algumas semanas ou meses, será a lei do país.
Já agora, o projecto de lei não indica explicitamente os árabes – mesmo sendo esta a sua clara intenção, e todos os que nela votaram favoravelmente assim o entendam.
Também proíbe judeus de defenderem uma mudança na definição do estado, ou a criação de um Estado bi-nacional em toda a Palestina histórica ou de espalhar quaisquer outras ideias não-conformistas como estas. Qualquer um pode imaginar o que aconteceria se nos E.U.A. um senador propusesse uma lei para prender alguém que sugerisse uma emenda à Constituição dos Estados Unidos da América.
O projecto de lei não destoa de todo o nosso novo cenário político.
Este governo já aprovou uma lei que encarcera por três anos quem chore a Nakba palestina – o desenraizamento, em 1948, de mais de metade do povo palestiniano, das suas casas e terras.
Os responsáveis esperam que os cidadãos árabes estejam felizes com esse acontecimento. É verdade que aos palestinos foram causados uns certos dissabores, mas foi apenas um subproduto da fundação do nosso Estado. O Dia da Independência do Estado Judeu e Democrático deve encher-nos a todos de alegria. Quem não expressar esta alegria deve ser metido na prisão, e três anos podem não ser suficientes.
Este projecto de lei foi confirmado pela Comissão Ministerial para os Assuntos Jurídicos, antes de ser submetidos ao Knesset. Como o governo de direita lidera uma maioria no Knesset, será aprovado quase que automaticamente. (Entretanto, um ligeiro atraso foi causado por um ministro, que recorreu da decisão, pelo que a Comissão Ministerial terá de confirmá-lo novamente.)
Os responsáveis por esta lei tem esperança, talvez, que os árabes no dia da Nakba dançarão nas ruas, e içarão bandeiras israelitas sobre as ruínas de cerca de 600 aldeias árabes que foram varridas do mapa, oferecendo os seus agradecimentos a Allah nas mesquitas pela miraculosa boa sorte que lhes foi concedida.
ISTO LEVA-ME de volta aos anos 60, quando a revista semanal que eu editei, Haolam Hazeh, publicou uma edição em árabe. Um dos seus colaboradores foi um rapaz chamado Rashed Hussein da vila de Musmus. Já na sua juventude ele era um talentoso poeta com um futuro promissor.
Contou-me que, alguns anos antes, o governador militar de sua área o havia convocado para comparecer no seu escritório. Ao tempo, todos os árabes de Israel estavam sujeitos a um governo militar que controlava as suas vidas em todos os assuntos grandes ou pequenos. Sem uma autorização, um cidadão árabe não podia deixar a sua aldeia ou cidade, mesmo por algumas horas, nem arranjar um emprego como professor, nem adquirir um tractor ou escavar um poço.
O governador recebeu Rashed cordialmente, ofereceu-lhe café e pródiga paga em elogios à sua poesia. Então, chegou ao assunto: dentro de um mês, celebrar-se-ia o Dia da Independência, e o governador iria dar uma grande recepção para os “notáveis” árabes; e pedia que Rashed escrevesse um poema especial para a ocasião.
Rashed era um jovem orgulhoso, nacionalista até ao âmago, e não falho de coragem. Então explicou ao governador que o Dia da Independência não era um dia feliz para ele, uma vez que seus parentes tinham sido expulsos das suas casas e a maioria das terras da aldeia de Musmus também tinham sido expropriadas.
Quando Rashed chegou de volta à sua aldeia, algumas horas mais tarde, não percebeu que os seus vizinhos o estavam a olhar de uma maneira peculiar. Quando entrou em sua casa, ficou chocado. Todos os membros da sua família estavam sentadas no chão, as mulheres lamentando-se em alta grita, as crianças amontoadas medrosamente num canto. O seu primeiro pensamento foi de que alguém tinha morrido.
“O que nos fizestes!” Uma das mulheres chorava, “O que nós te fizemos?”.
“Destruístes a família”, gritou outro, “Acabaste connosco!”.
Verificou-se que o governador tinha chamado a família e lhes tinha dito que Rashed tinha recusado a cumprir o seu dever para com o Estado. A ameaça era clara: a partir de agora, a família alargada, uma das maiores na aldeia, estaria na lista negra do governo militar. As consequências eram claras para todos.
Rashed não pode lutar contra as lamentações da sua família. Desistiu e escreveu o poema, tal como solicitado. Mas alguma coisa dentro dele ficou quebrada. Alguns anos depois, emigrou para os E.U.A., arranjou um emprego no escritório da OLP e morreu tragicamente: queimado vivo na sua cama depois de adormecer, aparentemente, enquanto fumava um cigarro.
Esses dias já se foram para sempre. Participámos em muitas manifestações tormentosas contra o governo militar até que foi finalmente abolido em 1966. Como um recém-eleito membro do Parlamento, tive o privilégio de votar para a sua abolição.
A temerosa e subserviente minoria árabe então de cerca de 200 mil almas, recuperou a sua auto-estima. Uma segunda e terceira gerações cresceram, e o seu oprimido orgulho nacional fez levantar as suas cabeças novamente, e hoje são uma grande e auto-confiante comunidade de 1,5 milhão. Mas a atitude da Direita judaica não mudou para melhor. Pelo contrário.
Na padaria do Knesset (a palavra hebraica para padaria é Mafia) alguns novos pastéis estão a ser cozinhados. Um deles é um projecto que prevê que qualquer pessoa que requerer a cidadania israelita deve declarar sua lealdade ao “Estado judeu, sionista e democrático”, e também comprometer-se a servir no exército ou na sua alternativa civil. O proponente é um membro do partido “Israel é o nosso lar”, e acontece que também é o presidente do Comité Legislativo do Knesset.
Uma declaração de lealdade para com o Estado e as suas leis – num quadro destinado a salvaguardar o bem-estar e os direitos dos seus cidadãos – é razoável. Mas fidelidade ao estado “sionista”? Sionismo é uma ideologia, e num estado democrático a ideologia pode mudar ao longo do tempo. Seria o mesmo que declarar lealdade a um E.U.A. “capitalista”, a uma “Itália direitista”, a uma “Espanha esquerdista”, uma “Polónia católica” ou a uma Rússia “nacionalista”.
Este não será um problema para as dezenas de milhares de judeus ortodoxos em Israel, que rejeitam o sionismo, uma vez que os judeus não serão abrangidos por esta lei. Eles obtêm cidadania automaticamente no momento em que chegam a Israel.
Outro projecto de lei, esperando a sua vez perante a proposta do Comité Ministerial, pretende alterar a declaração que todos os novos membros do Knesset tem de fazer antes de assumir funções. Em vez de lealdade “para com o Estado de Israel e as suas leis”, como agora, ele ou ela será obrigado a declarar a sua fidelidade “ao Estado judeu, sionista e democrático de Israel, aos seus símbolos e aos seus valores”. Isto exclui automaticamente quase todos os eleitos árabes, uma vez que declarar fidelidade ao estado “sionista” significaria que nenhum árabe jamais votaria neles novamente.
Será também um problema para os membros do Knesset ortodoxos, que não podem declarar fidelidade ao sionismo. Segundo a doutrina ortodoxa, os sionistas são pecadores depravados e a bandeira sionista é impura. Deus exilou os judeus deste país por causa da sua iniquidade, e só Deus pode permitir o seu regresso. O sionismo, por antecipar o trabalho do Messias, cometeu um pecado imperdoável, e muitos rabinos ortodoxos optaram por permanecer na Europa e serem assassinados pelos nazistas, em vez de cometerem o pecado sionista de ir para a Palestina.
A FÁBRICA de leis racistas com um nítido odor fascista está actualmente a trabalhar em pleno vapor. Que são construídas pela nova coligação.
No seu centro está o partido Likud, uma boa parte dele racista puro (as minhas desculpas pelo oximoro [1]). Para a sua direita, está o ultra-racista partido Shas, à direita do qual está e o ultra-ultra-racista partido de Lieberman “Israel é o nosso Lar”, o ultra-ultra-ultra-racista partido “Lar Judaico”, e à sua direita o ainda racista partido da “União Nacional”, que inclui Kahanistas [2] e fica com um pé na coligação e o outro sobre a lua.
Todos estes partidos estão a tentar superar-se uns aos outros. Quando um propõe um projecto de lei louco, o próximo é obrigado a propor um ainda mais louco, e assim por diante.
Tudo isto é possível porque Israel não tem Constituição. A competência do Supremo Tribunal de Justiça para anular as leis que contradigam as “leis básicas” não está ancorado a nada, e os partidos direitistas estão tentando aboli-la. Não foi por acaso que Avigdor Lieberman exigiu – e obteve – os ministérios da Justiça e Polícia.
Agora mesmo, quando os governos de Israel e dos E.U.A. estão claramente em rota de colisão sobre os colonatos, esta febre racista pode infectar todas as partes da coligação.
Se alguém dormir com um cão, não deve ficar surpreso ao acordar com pulgas (possam os cães entre os meus leitores me perdoar). Aqueles que elegeram um tal governo e, mais ainda, aqueles que a ele aderiram, não deveriam ficar surpreendidos com as suas leis, que ostensivamente salvaguardam a democracia judaica.
O nome mais apropriado para estes santos guerreiros santos seria “Racistas pela Democracia”.
[1] Oximoro: Figura em que se combinam palavras de sentido oposto que parecem excluir-se mutuamente, mas que, no contexto, reforçam a expressão.
[2] Kahanistas: Seguidores das doutrinas do Rabi Meir David Kahane, (1de Agosto de 1932-5 de Novembro de 1990), um rabi ortodoxo israelo- americano, conhecido pelas suas ideias nacionalistas, baseadas no conceito do “Grande Israel”. Foi fundador do partido nacionalista Kach, e por ele eleito para o Knesset. Em 1986 o Kach foi declarado como um partido racista pelo Governo de Israel e assim Kahane banido do Knesset. Acrescente-se que depois do massacre daCaverna dos Patriarcas, em 1994, – um massacre de árabes, incluindo crianças, enquanto rezavam, por Baruch Goldstein, um activista do Kach – o movimento foi declarado fora da lei.
Terça-feira, 5 de Maio de 2009
As velhas roupas do Imperador, de Uri Avnery
.
É evidente que tinha pensado sobre elas maduramente e que intencionava pô-las em prática a partir do primeiro momento da sua gestão.
Formara a sua equipa há muito tempo, e a sua gente começou a agir, mesmo antes da sua entrada triunfal na Casa Branca.
Durante os primeiros dias nomeou os seus ministros, a maioria dos quais já havia escolhido muito antes – este parece ser um Governo eficaz, cujos membros estão preparados para as suas tarefas.
Tudo de acordo com uma regra que foi estabelecida há muito tempo: a de que, tudo aquilo que um novo presidente não inicie nos seus primeiros 100 dias, não irá conseguir concretizar mais tarde. No início tudo é mais fácil, porque a sociedade está pronta para a mudança.
Um israelita não pode resistir, naturalmente, a comparar Obama a Binyamin Netanyahu, o nosso novo-e-velho Primeiro-Ministro, que não irrompeu propriamente na arena. Antes rastejou.
.
Afinal, ele já lá tinha estado. Há dez anos atrás estava sentado na cadeira do Primeiro-Ministro, ganhando experiência. E com a experiência – especialmente a má experiência – qualquer um pode e deve aprender.
Além disso, a vitória de Netanyahu não foi uma grande surpresa. A única parte imprevista nos resultados das eleições foi a de que, a sua adversária Tzipi Livni, obteve um pouco mais de votos do que ele, mas não o suficiente para impedi-lo de atingir – em conjunto com seus parceiros – a maioria.
Teve, portanto, muito tempo para se preparar para a sua ascensão ao poder, consultar especialistas, ter planos perfeito em todos os campos, escolher a sua equipa, pensar sobre a nomeação dos ministros do seu próprio partido e dos partidos aliados.
Mas, inacreditavelmente, parece que nada, realmente nada, de tudo isto aconteceu. Nem planos, nem assistentes, nem equipe, nada de nada.
Até este momento, Netanyahu não conseguiu reunir a sua equipa pessoal – uma condição prévia fundamental para qualquer acção eficaz. Não tem um chefe de pessoal, a posição mais importante. No seu gabinete, o caos reina supremo.
A escolha dos ministros vomitou escândalo sobre escândalo. Não só juntou um gabinete hediondamente inchado (39 ministros e vice-ministros, a maioria deles ostentando títulos fictícios), mas quase todos os importantes ministérios estão atolados com pessoas totalmente inadequadas.
Numa altura de crise económica mundial nomeou para as Finanças um ministro que não tem nenhuma ideia sobre economia, aparentemente achando que seria ele próprio a gerir o Ministério – absolutamente impossível para um homem que é responsável pelo Estado como um todo.
O Ministério da Saúde tem um rabino ortodoxo como adjunto. No meio de uma epidemia à escala mundial, não temos um ministro da Saúde, e de acordo com a lei, o Primeiro-Ministro terá de exercer essa função, também.
Em quase todos os outros ministérios – dos Transporte ao Turismo – existem responsáveis que não sabem nada sobre as suas áreas de responsabilidade e que nem sequer fingem estar nelas interessados – estão apenas à espera de uma oportunidade para avançar para coisas maiores e melhores.
Não há necessidade de desperdiçar muitas palavras sobre a nomeação de Avigdor Lieberman para o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Este difamador profissional provoca escândalos diários na área mais sensível do governo. O touro na loja da loiça chinesa já conseguiu transformar todos os diplomatas em pequenos bois, cada um dos quais corre de um lado para o outro, quebrando os pratos na sua vizinhança. No momento, estão ocupados em estragar as relações de Israel com a União Europeia.
Todas estas nomeações parecem o desesperado esforço de um político cínico que não se preocupa com outra coisa senão com regressar ao poder e, em seguida, rapidamente, forma um governo, independentemente da sua composição, pagando qualquer preço, a qualquer partido que esteja disposto a participar, mesmo sacrificando os interesses mais vitais do Estado.
ATÉ no que diz respeito aos planos, nem nisso Netanyahu se assemelha a Obama. Chegou ao poder sem qualquer projecto em qualquer campo. Ficámos com a impressão de que passou os seus anos de oposição com a cabeça em hibernação.
Uma semana atrás apresentou um grandioso “plano económico”, para salvar a nossa economia da devastação da crise económica mundial. Os economistas franziram as testas. O “plano” consiste em pouco mais do que uma colecção de velhos slogans e de um imposto sobre os cigarros. Os seus embaraçados colaboradores gaguejaram que era apenas um “quadro geral”, que ainda não era um plano, e que agora iriam começar a trabalhar sobre um plano real.
Os israelitas realmente não se preocupam com a falta de um plano económico. Eles têm fé na improvisação, o maravilhoso talento israelita que mascara a incapacidade de planear o que quer que seja.
Mas, no campo político, a situação é ainda pior. Porque aí a impreparação de Netanyahu cruza-se com a super-preparação de Obama.
Obama tem um plano para a reestruturação do Médio Oriente, e um dos seus elementos é uma paz israelo-palestina baseada na consigna “Dois Estados para dois povos”.
Netanyahu defende que não está em posição de responder, porque ainda não tem um plano próprio. Afinal, está há pouco tempo no governo. Agora está a trabalhar num tal plano. Muito em breve, numa semana ou num mês ou num ano, ele vai ter um plano, um verdadeiro plano, e irá apresentá-lo a Obama.
Claro que, Netanyahu tem um plano. Consiste numa palavra, que aprendeu com o seu mentor, Yitzhak Shamir: “NÃO”.
Ou, mais precisamente, “NÃO, NÃO, NÃO” – os três nãos israelitas em Cartum: Não à paz, Não à retirada, não às negociações. (Recorde-se que a Cimeira Árabe de 1967, em Cartum, logo após a Guerra dos Seis-dias, aprovou uma resolução semelhante.)
O “plano”, em que ele está a trabalhar realmente não diz respeito à essência daquela política, mas apenas à embalagem.
Como apresentar a Obama algo que não soe como um “não”, mas sim como um “sim, mas”. Algo que todos os servos do lobby israelita no Congresso [Americano]e nos meios de comunicação possam engolir sem dor.
COMO amostra do “plano”, Netanyahu já apresentou um dos seus ingredientes: a exigência de que os palestinos e outros árabes devem reconhecer Israel como “o Estado do povo judeu”.
A maioria dos meios de comunicação em Israel e no exterior têm distorcido esta exigência e informaram que Netanyahu exige o reconhecimento de Israel como um “Estado judeu”. Só por ignorância ou por preguiça, é que fazem desaparecer a importante diferença entre as duas fórmulas.
A diferença é enorme. Um “Estado judeu” é uma coisa, um “Estado do povo judeu” é algo radicalmente diferente.
Um “Estado judeu” pode significar um estado com uma maioria de cidadãos que se definem como judeus e ou um Estado cuja língua principal é o hebreu, cuja principal cultura é a hebraica, cujo dia de descanso semanal é o sábado, que só serve comida Kosher na cafetaria do Knesset, etc.
Um “Estado do povo judeu” é uma história completamente diferente.
Significa que o Estado não pertence apenas aos seus cidadãos, mas sim a algo que é chamado de “o povo judeu” – algo que existe dentro e fora do país.
Isto pode ter implicações de grande alcance. Por exemplo: a revogação da cidadania de não-judeus, como proposto por Lieberman. Ou a atribuição de cidadania israelita a todos os judeus do mundo, quer eles queiram ou não.
A primeira questão que se coloca é: o que significa “o povo judeu”?
O termo “povo” – “am” em hebraico, Volk em alemão – não tem definição precisa aceite. De uma maneira geral, entende-se um grupo de seres humanos que vivem num território específico e falam uma língua específica. O “Povo Judeu” não é assim.
Duzentos anos atrás, ficou claro que os judeus eram uma comunidade religiosa dispersa em todo o mundo e unidos por mitos e crenças religiosas (incluindo a crença numa ancestralidade comum).
Os sionistas decidiram alterar esta auto-percepção. “Somos um povo, um povo”, escrevia em alemão, usando a palavra Volk, Theodor Herzl, o fundador do Sionismo.
A ideia do “Estado do povo judeu” é decididamente anti-sionista.
Herzl não sonhava com uma situação em que um Estado judeu e uma diáspora judaica coexistem.
De acordo com o seu plano, todos os judeus que desejassem manter-se judeus deveriam imigrar para o seu Estado.
Os judeus que preferissem viver fora do Estado deixariam de ser judeus e seriam absorvidos nas nações anfitriãs, finalmente tornar-se-iam realmente em alemães, ingleses e franceses.
Na concepção do “Visionário do Estado” (como ele é designado oficialmente em Israel) era suposto, quando posta em prática, conduzir ao desaparecimento da diáspora judaica – o povo judeu fora do “Judenstaat” [Estado judeu].
David Ben-Gurion partilhava desta visão.
Ele afirmou que um judeu que não imigrasse para Israel não era um sionista e não deveria usufruir de quaisquer direitos em Israel, excepto o direito de imigrar para lá.
Exigiu o desmantelamento da organização sionista, vendo nela apenas o “andaime” para a construção do estado. Uma vez que criado o Estado, ele pensou muito justamente, que os andaimes deveriam ser abandonados.
A EXIGÊNCIA DE NETANYAHU para que os palestinos reconheçam Israel como “o Estado do povo judeu” é ridícula, até mesmo como uma táctica para impedir a paz.
Um Estado reconhece um Estado, não a sua ideologia ou o seu regime político. Ninguém reconhece a Arábia Saudita, a pátria do Hajj, como “o estado da Umma muçulmana” (a comunidade dos crentes).
Além disso, a exigência coloca os judeus de todo o mundo numa posição impossível.
Se os palestinos têm de reconhecer Israel como “o Estado do povo judeu”, de seguida, todos os governos do mundo devem fazer o mesmo. Os Estados Unidos, por exemplo.
Isso significa que os cidadãos americanos judeus, Rahm Emmanuel e David Axelrod, os assessores mais próximos de Obama, são representados oficialmente pelo governo de Israel. O mesmo para os judeus na Rússia, no Reino Unido e na França.
Mesmo que Mahmoud Abbas fosse persuadido a aceitar esta exigência – e, assim, indirectamente pondo em dúvida, a cidadania de um milhão e meio de árabes em Israel – eu iria opor-me a isso tenazmente. Mais do que isso, eu consideraria tal como um acto hostil.
O carácter do Estado de Israel deve ser decidido pelos cidadãos de Israel (que possuem uma vasta gama de opiniões sobre este assunto). Pendente nos tribunais israelitas está um requerimento, proposto por dezenas de patriotas israelitas, incluindo eu próprio, que exigem que o Estado reconheça a “nação israelita”.
Nós pedimos ao tribunal para instruir o governo a registar-nos nos serviços oficiais de Registo da População, sob o título de “nação”, como israelitas. O governo recusa-se a tal, de forma inflexível, e insiste em que a nossa nação é Judia.
Peço a Mahmoud Abbas, a Obama e a todos aqueles que não são cidadãos israelitas a não interferirem neste debate nacional.
Netanyahu sabe, naturalmente, que ninguém levará a sério a sua exigência. É obviamente apenas mais um outro dispositivo para evitar negociações sérias de paz. Se for obrigado a abandona-lo, não demorará muito que apareça com um outro.
Parafraseando Groucho Marx: “Este é o meu pretexto. Se não gostar dele, bem, eu tenho um monte de outros.
Domingo, 19 de Abril de 2009
E.U.A. boicota Durban II – Sionismo não é racismo?
Terça-feira, 14 de Abril de 2009
O descanso chegou ao fatigado…, por Uri Avnery
É também uma festa de canções das suas terras-natal. Numa televisão vemos grupos de velhotes de cabelos brancos rodeados pelos seus filhos e netos cantando fervorosamente as canções da sua juventude, de que sabem as palavras de cor.
A câmara foca o rosto sulcado de uma avó com os olhos marejados e não é difícil imaginá-la como a linda menina que foi. É fácil vê-la num kibutz de Jezreel, com calças curtas e uma longa trança balançando atrás dela, sorrindo, curvada sobre os tomateiros na horta comunitária.
ADMITO que não estou livre desta nostalgia. Algo acontece comigo, também, quando ouço as músicas e as acompanho involuntariamente.
Como muitos outros, estou sofrendo de “dissonância cognitiva”. O coração e a cabeça não estão coordenados. Operam em diferentes comprimentos de onda. Noutras palavras: a minha cabeça sabe que o projecto Sionista impôs uma injustiça histórica sobre as pessoas que viviam nesta terra. Mas o meu coração lembra-se do que senti naqueles dias.
Aos 10 anos, poucas semanas após o nosso voo da Alemanha nazi e da chegada a este país, os meus pais enviaram-me para Nahalal, o primeiro Moshav (aldeia comunal). Eu vivia com uma família de “camponeses” – eles ainda não eram conhecidos como “agricultores” – a fim de me “aclimatizar” e aprender hebraico.
Como era Nahalal naqueles dias?
75 famílias, as suas pequenas casas brancas dispostas num círculo perfeito, que trabalhavam do amanhecer ao anoitecer.
No Inverno, a aldeia tornava-se num mar de lama, que se prendia às nossas botas de borracha que ficavam pesadas como chumbo.
No Verão, a temperatura era frequentemente elevada. Nós, as crianças, saiamos para trabalhar com os adultos, e por vezes era quase insuportável.
Durante os primeiros anos eles trabalharam duramente para drenar o pântano das suas terras. Eu nem posso imaginar que, após um dia de trabalho, algum deles tivesse ainda energia suficiente para ler Tolstoi ou Dostoievski.
Eles sabiam, naturalmente, que existiam árabes por perto. Na estrada de Nahalal para Haifa passavam por aldeias árabes. Viram fellaheen a trabalhar nos campos. Mas eles eram de outro mundo. Aquele ano – 1934 – ainda era tranquilo, a calma antes da tempestade dos “distúrbios” de 1936. Eles não tinham contacto com os árabes, não compreendiam a sua língua, não tinham ideia nenhuma sobre o que se passou nas suas cabeças, quando viram os judeus tomarem conta dos seus campos.
O que eles sabiam era que os campos do vale de Jezreel, muitos dos quais tinham sido pântanos, haviam sido comprados por bom dinheiro a um fazendeiro árabe. Ninguém pensou nos camponeses que tinham vivido nesta terra e que a partir dela obtinham o seu sustento diário, desde há muitas gerações, e que foram expulsos quando o rico fazendeiro absentista a vendeu ao Fundo Nacional Judaico.
Esta natural nostalgia pessoal une-se, no nosso caso, a um outro sentimento, o que faz com que as antigas canções nos inundem com o anseio da inocência daqueles dias, da virtude, da crença na “justeza do caminho”, quando tudo parecia tão simples.
Recordava-nos de onde viéramos – de uma Europa que se estava a transformar num inferno para os judeus.
Sabíamos que era nosso dever construir um refúgio seguro para milhões de judeus que viviam num perigo crescente (embora ninguém poderia ainda imaginar o Holocausto), e que não tinham para onde fugir.
Quando os “distúrbios” começaram em Abril de 1936, não os vimos como uma “Revolta Árabe”. Tal como o “pogrom” de 1921 e o “massacre” de 1929, eles pareceram-nos mais uma conspiração britânica para incitar árabes ignorantes contra nós para assim continuarem a governar o país.
As multidões árabes “incitadas” atacaram-nos porque não compreendiam como éramos bons para eles.
Não compreendiam o que estávamos trazendo para o progresso do país, agricultura moderna, cuidados de saúde, socialismo, a solidariedade dos trabalhadores.
Os seus líderes, os ricos “Effendis” (do turco, nobres) foram-nos instigando porque tinham medo que eles viessem a aprender connosco como exigir salários mais elevados. E existiam, claro, aqueles que acreditavam que os árabes assassinavam, pelo assassinato, que o assassinato era a sua natureza e a essência do Islão.
Quanto à esquerda Sionista, existiram sempre alguns grupos e indivíduos a tentaram encontrar um compromisso entre o Sionismo e os povos da terra, o que não iria dificultar os Sionistas de criar colonatos por todo o país. Foi antes de 1946, o que veio a ser o primeiro grupo (do qual fui um dos fundadores), que reconheceu os palestinos – e árabes em geral – o Movimento Nacional e propôs uma surpreendente aliança com eles.
Em 1948, as canções da Guerra da Independência juntaram-se às canções dos pioneiros. A este respeito também, não poucos dentre nós sofre de dissonância cognitiva. Por um lado – o que sentimos então. Por outro lado – a verdade como a conhecemos hoje.
Para os combatentes – como para toda a Yishuv – era, simplesmente, uma guerra pela sobrevivência.
O slogan era “não há alternativa”, e todos nós acreditávamos nele completamente. Estávamos a lutar, de costas para a parede, a vida das nossas famílias pendurada na balança. O inimigo rodeava-nos.
Acreditámos que nós, os poucos, os muito poucos, quase sem armas, podíamos afrontar um mar de árabes. Na primeira metade da guerra, os combatentes árabes (conhecidos entre nós por “gangues”) efectivamente dominavam todas as estradas e, na segunda metade, os exércitos regulares árabes aproximaram-se dos centros populacionais hebraicos, cercando a Jerusalém hebraica e aproximando-se de Tel-Aviv. O Yishuv perdeu 6.000 jovens, de uma população de cerca de 635 mil. Todos os grupos etários foram dizimados. Inumeráveis actos heróicos foram realizados.
Não tínhamos percepção sobre o real equilíbrio de poder entre nós e o outro lado.
Os árabes pareciam-nos uma enorme força. Nós não sabíamos que os palestinos estavam brigando uns com os outros, incapazes de se unirem e criarem uma força de defesa a nível nacional e que tinham uma grave escassez de armas modernas.
Mais tarde, quando os exércitos árabes aderiram à desordem, nós não sabíamos que eles eram incapazes de cooperar uns com os outros, que era mais importante para eles a competir uns com os outros do que nos derrotar.
Hoje, um crescente número de israelitas começou a compreender o verdadeiro significado da “Nakba”, a grande tragédia do povo palestino e de todas as pessoas que perderam as suas casas e maior parte da sua pátria.
Mas as canções vêm e lembram-nos do que sentimos naquele tempo, quando as coisas aconteceram. Um abismo abissal entre a realidade emotiva daqueles dias e a verdade histórica tal como a conhecemos hoje.
Eles vêm a sua visão reforçada pelos colonos de hoje, que estão expulsando os palestinos do que resta das suas terras. Pelas suas acções mancha-se o passado pioneiro. Fanáticos religiosos e “hooligans” fascistas, que alegam ser os herdeiros dos pioneiros, obliteram as verdadeiras intenções daquela geração.
Como cantar sobre as esperanças e os sonhos da nossa juventude e, ao mesmo tempo, admitir a terrível injustiça de muitas das nossas acções?
Cantar com o coração cheio as músicas dos pioneiros e as canções da guerra de 1948 (uma das quais escrevi, e de que estou longe de me orgulhar), sem negar a terrível tragédia que impusemos ao povo palestiniano?
Acredito que podemos fazer o mesmo em relação à catástrofe que causamos aos palestinianos. Estou convencido de que isto é importante, mesmo essencial, para a nossa própria saúde mental, bem como um primeiro passo em direcção à eventual reconciliação.
Temos de admitir e reconhecer as consequências das nossas acções e reparar o que possa ser reparado – sem negar o nosso passado e as canções que expressam a inocência de nossa juventude.
Domingo, 4 de Janeiro de 2009
Israel: A escalada da violência