José Mena Abrantes O genocídio começa com o silêncio do mundo

José Mena Abrantes O genocídio começa com o silêncio do mundo 1 Por muito que se tente evitar voltar ao tema do conflito israelo-palestino, ele entra-nos pela consciência...

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O genocídio começa com o silêncio do mundo

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Por muito que se tente evitar voltar ao tema do conflito israelo-palestino, ele entra-nos pela consciência de uma forma impossível de se ignorar. Sobretudo porque é por demais chocante o contraste entre o genocídio que está a ser levado a cabo pelo regime sionista e os argumentos que este e os seus cúmplices utilizam para o defender ou branquear.

Sem já levar em conta os criminosos apelos ao extermínio de mães e crianças palestinas feitos por políticos no activo em plena televisão israelita, é suficiente referir como um antigo Prémio Nobel da Paz, Elie Wiesel, em anúncios publicados em grandes órgãos de imprensa ocidentais, culpabiliza o Hamas pela morte das crianças palestinas e acusa os palestinos em geral de não gostarem dos próprios filhos.

Perante tal exagero, não surpreeende que mesmo a comunidade judaica se comece a revoltar contra o governo de Israel. Internamente, são jovens que se manifestam, recusando prestar serviço militar. Nos EUA, judeus ortodoxos já saíram à rua denunciando a violação pelos sionistas dos valores da sua religião. Campanhas na internet apelam ao boicote de produtos ‘made in Israel’.

Uma das mais recentes reacções veio publicada no site da Rede Internacional Judaica Anti-Sionista, condenando a actual agressão e a cumplicidade dos EUA e apelando ao “pleno boicote económico, cultural e académico de Israel”. O texto, assinado por cerca de trezentas pessoas, é eloquente:

“Como sobreviventes e descendentes dos sobreviventes judeus do genocídio nazista, condenamos inequivocamente o massacre de palestinos em Gaza e a ocupação e colonização da Palestina histórica em curso. Condenamos ademais os EUA por fornecerem a Israel os fundos para levar a cabo o ataque, e todos os Estados ocidentais, de maneira geral, pelo uso da sua força diplomática para evitar que Israel seja condenada. O genocídio começa com o silêncio do mundo”.

Para além de denunciar a extrema desumanização dos palestinos feita em jornais israelitas, o texto insurge-se também contra os anúncios pagos do suposto ‘pacifista’:

“Estamos desapontados e indignados pelo abuso que Elie Wiesel faz da nossa história para promover clamorosas falsidades, utilizadas para justificar o injustificável: a determinação de Israel de destruir Gaza e o assassinato de cerca de dois mil palestinos, incluídas centenas de crianças. Nada pode justificar o bombardeio de refúgios das Nações Unidas, residências, hospitais e universidades. Nada pode justificar que se prive as pessoas de electricidade e água”.

Claro que o embaixador de Israel em Angola, Raphael Singer, não pensa assim. Numa declaração publicada em vários órgãos de imprensa da capital, ele invoca sem qualquer originalidade a secular perseguição do povo judeu ao longo da história, o Holocausto e, como não podia deixar de ser, atribui as críticas ao Estado de Israel a “essa forma de racismo que chamamos anti-semitismo”.

Sintomático é que ele, apesar de enumerar todas as supostas oportunidades perdidas pelos palestinos quando Israel lhes ‘ofereceu’ a paz, não faz a mais mínima referência à expansão contínua dos colonatos ou à construção do vergonhoso muro contrário às leis do Direito internacional, nem muito menos à mais recente matança indiscrimada de civis, incluindo centenas de crianças.

Segundo o senhor embaixador, “o Hamas em vez de investir os seus recursos e o apoio internacional no desenvolvimento e promover o bem-estar do seu povo, prefere construir uma infra-estrutura bélica e túneis para atacar aldeias israelitas. Usa as escolas como centro de controlo de lançamento de mísseis, ao lado de hospitais e mesquitas, sabendo perfeitamente que está a prejudicar a população civil palestina”. Israel, pelo contrário, “sempre quis viver em paz com os seus vizinhos”.

A melhor resposta a este previsível diplomata pode ser dada por um seu compatriota, o jornalista Gideon Levy, membro do conselho editorial do jornal Haaretz, num artigo intitulado ‘Assim se fabrica a guerra infinita’:

“Israel não deseja a paz. Nunca quis tanto que estivesse errado o que escrevo. Mas as evidências acumulam-se. Na verdade, pode dizer-se que Israel nunca desejou a paz – uma paz justa, ou seja, baseada num acordo justo para ambos os lados. (…) Os israelitas desejam paz, não justiça; certamente nada que se baseie em valores universais. Nos últimos dez anos, aliás, Israel afastou-se até mesmo da aspiração de construir a paz. Nunca, nem por um minuto, Israel tratou os palestinos como seres humanos com direitos iguais. Não viu o seu sofrimento como um sofrimento humano e nacional compreensíveis. (…) A evidência mais esmagadora da rejeição da paz por Israel é, claro, o projecto das colónias de ocupação da Palestina. Desde o início da sua existência, nunca houve um teste mais seguro ou mais preciso para as verdadeiras intenções de Israel do que esse empreendimento particular. Em linguagem clara: os construtores das colónias desejam consolidar a ocupação, e quem deseja consolidar a ocupação não deseja a paz. Esse é o resumo da ópera. (…) Se Israel desejasse construir a paz em Taba, em Camp David, em Sharm el-Sheikh, em Oslo, em Washington ou em Jerusalém, o seu primeiro passo teria sido acabar com toda a ocupação nos territórios. Incondicionalmente. Sem exigir nada em troca. O facto de não o ter feito é a prova de que não quer uma paz justa. (…) Não há maneira de conseguir alcançar uma paz justa quando o nome do jogo é a desumanização dos palestinos”.

Barack Obama está tranquilo a este respeito. Há três anos declarou que “o povo palestino tem o direito de se auto-libertar” e apoiou “um Estado palestino viável e um Estado de Israel seguro, com fronteiras permanentes, baseadas em 1967, que devem ser seguras para os dois Estados”. Agora, na fase mais aguda da agressão sionista contra os palestinos (31 de Julho), confirmou o envio de mais armas e munições para Israel, porque este país “tem o direito de se defender”.

Contra factos não há, de facto, argumentos que valham. E depois o “silêncio do mundo” encarrega-se do resto. Talvez surja precisamente daí a necessidade de não calar este tema.

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