Israel: “O período mais escandaloso da história judaica”, diz teólogo judeu

Estamos vivendo no período mais escandaloso na História judaica Comentando o recente discurso de Binyamin Netanyahu, primeiro ministro de Israel, na Assembleia Geral das Nações Unidas, Marc Ellis, teólogo...

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Estamos vivendo no período mais escandaloso na História judaica

Comentando o recente discurso de Binyamin Netanyahu, primeiro ministro de Israel, na Assembleia Geral das Nações Unidas, Marc Ellis, teólogo judeu não sionista progressista e autor do livroTowards a Jewish Theology of Liberation, “Rumo à uma Teologia Judaica da Libertação”, cuja 3a. edição apresenta prefácios do arcebispo anglicano sul-africano Desmond Tutu e do “pai” da Teologia da Libertação, o teólogo católico-romano peruano Gustavo Gutiérrez, escreveu para o site Mondoweiss(cujos administradores são judeus estadunidenses não sionistas e progressistas) um artigo que merece ser conhecido nos países de língua portuguesa – bem como o restante de sua obra. @esquerdacrítica traduz esse texto, publicado no dia 3 de outubro com o título “Israel’s apartheid isn’t just political, it’s ideology wrapped in history and religion”.

O texto do discurso de Netanyahu ao qual se refere Ellis pode ser consultado (em inglês) clicando-se aqui.

O apartheid de Israel não é somente política, é uma ideologia envolta em História e em Religião

Este artigo é parte da coluna “Exile and the Prophetic” [O exílio e o profético”] de Marc Ellis para o Mondoweiss. Para ler a série inteira, visite a sua página de arquivo.

Abraão, Isaac- e Nathan Mileikovsky. Sim, o avô do Primeiro Ministro Netanyahu e trunfo de oratória em seu discurso da terça feira (29.09.2013) nas Nações Unidas.

O modo como Netanyahu entende a história do povo judeu seria divertido, se não tivesse consequências terríveis para os palestinos – e para os judeus. Quando a história judaica é reduzida a tal nível por figuras políticas e do establishment como por Elie Wiesel, nossa capacidade de raciocinar fica limitada. Nossa história fica contraída. Fica difícil respirar.

Não há nenhum judeu budista disponível para dar uns conselhos ao primeiro-ministro com o segundo tempo mais longo de mandato em Israel? Talvez Netanyahu precise de um tempo sentado numa almofada de meditação zen. Talvez ele chegasse então a uma outra compreensão de si mesmo, e da história judaica.

Você não precisa dedicar sua vida à deconstrução da identidade judaica como o faz Shlomo Sand para ver que a história judaica não é antiga de 4.000 anos. A probabilidade de que Abraão tenha sido uma figura histórica é praticamente zero. A história de Abraão é feita para a sinagoga.

Quando você tem um Estado, histórias que foram feitas para se contar na sinagoga não podem ser usadas [no espaço público]. Senão, você acaba com ideologias estatais semelhantes àquelas que os judeus europeus vivenciaram. Ideologias estatais foram feitas para auto-intitulados guardiãoes de tudo que é bom e precioso no universo. Elas não foram feitas para cidadãos de um Estado, com sua normalidade e diversidade.

A História segundo Netanyahu pareceu com a da África do Sul contada antigamente pelos afrikaners [brancos sul-africanos descendentes dos primeiros imigrantes holandeses]. Os judeus como os mais recentes – e os últimos? – calvinistas afrikaners : isso não é um bom presságio para ninguém.

O regime de apartheid da África do Sul não era somente um sistema político. Era uma ideologia envolta em História, e em Religião.

O regime de apartheid de Israel não é somente um sistema político. É uma ideologia envolta em História, e em Religião.

Cada país tem uma religião civil. É assim que se apela aos valores nacionais. A religião civil tem sua origem com aqueles que dominam a paisagem política mas, da mesma maneira que o próprio processo político, evolui com o tempo. A religião civil amplia-se na medida em que o país expande sua visão da história nacional.

A religião civil de Israel foi demonstrada no discurso de Netanyahu – em uma forma primitiva. Ela excluiu os cidadãos palestinos de Israel e deixou de lado os milhões de palestinos [nos territórios] que Israel ocupa.

Os (não mais tão) Novos Historiadores israelenses como Ilan Pappe são, basicamente, vistos como rebeldes por tratarem da remoção forçada dos palestinos durante o período de formação de Israel. Eles são também os progenitores de uma história mais abrangente e acurada do Estado de Israel.

Quando se comunica a religião civil de Israel, os palestinos têm que ser incluídos em todas as fases da vida nacional desse país. Isso inclui a Nakba histórica, e também a Nakba que está continuando hoje em dia.

Como os Novos Historiadores israelenses, os Judeus com uma Consciência [Jews of Conscience, termo designando judeus que se distanciam do projeto sionista e/ou engajam-se contra o regime racista de Israel] ampliam seu entendimento da História judaica. Eles redefinem o que pode, e o que não pode ser dito sobre Israel. Eles também redefinem o que pode, e o que não pode ser dito sobre a História judaica.

Um dia, um Primeiro Ministro de Israel comunicará essa visão ampliada às Nações Unidas. Israel será então bem diferente. Seu futuro terá tomado uma outra trajetória.

Netanyahu é uma relíquia em tempo real, ao vivo. Ele é um retrocesso sem lugar no futuro do Estado de Israel – caso se queira que o Estado de Israel tenha um futuro. Com o tempo, a posição de Netanyahu sobre História judaica terá diminuído até o ponto de desaparecer – caso se queira que haja uma História judaica digna de transmitir aos nossos filhos.

Pense em Netanyahu como um Ronald Reagan judeu, sem a tintura no cabelo. Sua carta manuscrita anunciando sua aposentadoria por demência não pode tardar demais a chegar.

Enquanto isso, resistência é a palavra chave. Estamos vivendo no período mais escandaloso na História judaica.

E isso mesmo começando com Abraão, Isaac e Jacó.

© da tradução, @esquerdacritica, “Esquerda Crítica”, 2011-2013. Unauthorized use and/or duplication of this material without express and written permission from this blog’s author and/or owner is strictly prohibited. Excerpts and links may be used, provided that full and clear credit is given to “@esquerdacritica” and “Esquerda Crítica” with appropriate and specific direction to the original content.

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