
Entrevista a Liliane Cordova Kaczerginski, da Rede Internacional de Judeus Anti-sionistas
Faz algum tempo que começou a circular por internet uma “Carta aberta da Rede Internacional de Judeus Anti-sionistas” contra as matanças de Israel em Gaza, escrita pela organização de Judeus Anti-sionistas International Jewish Anti-Zionist Network (IJAN). Contactei com um membro desta organização, a coordenadora europeia do IJAN, Liliane Cordova Kaczerginski, e coloquei-lhe algumas perguntas sobre a posição da sua organização sobre o que está ocorrendo na Faixa de Gaza. As respostas são muito interessantes, porque ajudam a desmentir alguns dos dogmas que formam parte da ideologia sionista e que têm como objetivo justificar com falsos argumentos históricos a colonização da Palestina, verdadeira origem dos crimes que está cometendo Israel. Na Europa, praticamente desconhecemos a existência de judeus opostos à política racista do estado israelita (br. israelense) para com os palestinianos (br. palestinos).
1. Quem são e quais são os vossos objetivos como organização?
Somos um polo judaico anti-sionista dentro de um grande movimento internacional que desafia o racismo, o colonialismo, o imperialismo e o sionismo.
Liliane Kaczerginski – Associação de Judeus Anti-sionistas
2. Vocês se apresentam como anti-sionistas, apesar de serem judeus. Seguramente que muitas pessoas não entendem isso, ou lhes parecerá uma contradição.
O sionismo usurpou a identidade judaica, a historia dos judeus e a sua representatividade. Ser judeu, ser sionista, não é uma equação. O sionismo é um movimento político surgido no meio das conquistas coloniais europeias do século XIX; não tem nada que ver com a religião judaica, nem com a sua história; note-se que foi um movimento bastante impopular entre as massas de judeus da Europa Oriental até a segunda guerra mundial.
3. Acreditas que é possível que algum dia exista um estado não sionista em Israel-Palestina?
Não podemos vê-lo numa bola de cristal. Seria o justo. De qualquer forma, um estado judaico sionista, baseado na supremacia dos judeus não tem futuro [curiosamente, um palestino, Usama Khaldy, disse-me o mesmo alguns dias atrás].
4. Que pensas quanto à ideia de criar dois estados separados: um palestiniano e outro judeu? Será a única solução possível?
Devemos deixar atrás essa página. Israel tem feito todo o possível para minar essa perspectiva, a qual os Palestinianos aceitaram (e muitos acreditaram nela, honestamente). Outras perspectivas são possíveis, como una integração regional do Médio Oriente tendo em conta a diversidade étnica, religiosa, linguística….
5. Que podes dizer acerca do aproveitamento por parte do estado e dos mídia israelenses do Holocausto, como forma de justificar la opressão sobre o povo palestino?
É a pior manipulação da história trágica dos nossos pais e avós e da história europeia em geral. É uma desprezível utilização desse genocídio realizado pelo regime nazista (pt – nazi) e seus colaboradores. O sionismo também utiliza premissas antissemitas, ao afirmar que os não-judeus sempre odiarão, despreciarão e nunca poderão aceitar os judeus como vizinhos com a mesma igualdade que deve ter qualquer cidadão de um estado.
6. Que tem que ver la Nakba com o que está sucedendo em Gaza? Qual a vossa opinião?
Parece-me um prolongamento do projeto colonial, a continuação da limpeza étnica, além de formar parte dos interesses geopolíticos do império e seus lacaios na região do Médio-Oriente.
Em Israel existem poucos Judeus Anti-sionistas.
7. Existe atualmente, em Israel, algum movimento de judeus a favor da paz com os palestinos? Que estão fazendo para acabar com a violência e lograr uma negociação a favor da paz?
Em Israel existem poucos Judeus Anti-sionistas ou não sionistas; uns 2 ou 3 mil, muito ativos, simbolicamente importantes, mas não no plano do balanço de forças. É Israel quem despreza qualquer interlocutor palestino, exepto se aceita o programa proposto por Israel, que são as teses do sionismo e a sua realização na Palestina.
8. Quem são os judeus “mizrahim” e que diferem dos “ashkenazes”? Na Europa, temos a ideia de que a comunidade judaica é um só bloco e que todos estão mais ou menos de acordo com o estado de Israel, Isso é certo?
Os mizrahim foram extraídos dos seus países [de Oriente e Norte de África], sem que se lhes dera muito espaço, nem para preguntas, nem para escutá-los. O poder sionista necessitava gente para construir um estado… Com o desprezo racial próprio dos europeus, o poder tomou as decisões que afetavan a toda essa massa de imigrantes sem os consultar: lugares de residência, hierarquia profissional, educação, desintegração cultural. Atualmente os ashkenazes [judeus de procedência europeia] ganham uns 40% mais de dinheiro que os mizrahim. A atual geraçãomizrahim, que se educou em Israel, pode ser tão antiárabe como a ashkenazi, apesar de terem um agudo sentimento de serem discriminados pelo poder nas mãos dos(judeus) europeus.
9. Que relações vocês mantêm com a comunidade palestina, dentro e fora das fronteiras do estado de Israel?
Bastante estreitas. Acompanhamos o apelo ao boicote, desinvestimentos e sanções[Campanha BDS] e o processo de Durban [refere-se à Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Conexas de Intolerância celebrada em 2001, em Durban, África do Sul, em que se denunciou o racismo israelense para com os palestinos], o que nos aproxima a grupos como Badil, Abna Al Balad , PACBI e outros.
10. Conheces a Azmi Bishara e ao seu movimento político? Qual a vossa opinião dele?
Aqui darei a minha opinião pessoal, uma vez que não foi discutido por todos no IJAN. Penso que Bishara é um intelectual brilhante, que conhece profundamente o sionismo, a mentalidade israelense e a política europeia e árabe. [Azmi Bishara é um político palestino com nacionalidade israelense, deputado do parlamento de Israel, alvo de uma persecução estatal para destruir o seu movimento político a favor da criação de um estado não sionista].
11. Que papel consideram que têm os Estados Unidos e a União Europeia na manutenção da política israelense relativamente aos territórios ocupados e para com os palestinos em geral?
Na luta concreta, ou imaginada, contra o “terrorismo”, as potências ocidentais continuam a desempenhar o seu papel de representar a “civilização” contra a “barbárie” (como se viu como fazem no Guantánamo ou como fizeram com Pinochet, etc.). E as multinacionais estão muito contentes.
12. Veem alguma relação entre a islamofobia que existe na Europa e nos EUA o a questão da Palestina?
Absolutamente. Demonizar os árabes e os muçulmanos é um dos fundamentos da luta “antiterrorista”.
13. Qual é a vossa posição relativamente à resistência palestina violenta?
Não existe concordância relativamente a esse assunto na nossa rede. Temos militantes orientados para uma luta não-violenta e outros que defendem todo o gênero de resistência, incluídas as formas violentas.
14. Qual creem vocês que será a solução do “conflito” existente entre palestinos e judeus? Como se alcançará a paz? Como se derrubará um dia o Muro que divide -ou pretende dividir- comunidade da outra?
Não é um conflito. É uma conquista e uma ocupação colonial programada por um segmento da população judaica da Europa, com o impulso e apoio da Europa e dos Estados Unidos, para desarticular a integração de uma região árabe independente. A paz chegará quando esse empreendimento colonial racista se desintegre, nunca antes.
15. Que pensam que podemos fazer nós, os Judeus Anti-sionistas europeus, para contribuir na luta contra o sionismo?
Denunciar as suas falácias, embustes e manipulações da opinião pública e exigir o isolamento de Israel, como aconteceu com a África do Sul do apartheid. Romper com qualquer laço econômico e político com Israel e fechar as suas embaixadas em Europa.
Autor: Oscar Martínez
Tradução: sionismo.net