
sobre o livro orientalismo
Edward Said, a filologia e o tal relativismo

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- Edward Said, a filologia e o tal relativismo
No prefácio à edição de 2003 de Orientalismo, Edward W. Said tece longos elogios à filologia, de Goethe e Herder…
No prefácio à edição de 2003 de Orientalismo, Edward W. Said tece longos elogios à filologia, de Goethe e Herder a Erich Auerbach. A ciência que introduziu Nietzsche a Dioniso é tratada como campeã do pluralismo, da abertura ao outro, da curiosidade democrática pelo que não se entende, mas se quer entender. E Said tem razão. O princípio do bom filólogo é que, para compreender de fato o que se escreveu em outras terras e outros tempos, primeiro cumpre reconhecer a alteridade por inteiro. Isso significa aceitar, mesmo que temporariamente, valores muito estranhos aos seus e ideias que parecem inconcebíveis. É preciso escapar à tentação de interpretar julgando, isto é, de impor a universos que nos são inteiramente alheios às convicções que desenvolvemos em nosso tempo, e não no deles; em nosso espaço, e não no deles.
Said contrapõe a humildade dos filólogos, que pacientemente se embebiam (ou ainda se embebem, enfim) de diferença e intercâmbio agonístico, ao discurso sedutor e imediatista dos “especialistas” de hoje. Esses que, na CNN e na Fox, em livros e entrevistas, em artigos na imprensa, em todo canto, se apresentam para introduzir na cabeça de quem se dispõe a crer uma infinidade de distinções claras, distintas, simples e, é claro, falsas. Escrito no calor da cruzada, ops, campanha de Bush pelo petróleo, ops, contra a ditadura iraquiana, o prefácio de Said vale para muitos outros campos. Ele tem toda razão ao apontar que o século começa mal: não queremos saber de colocar as coisas em perspectiva.
Fico me perguntando quantas vezes esse prefácio já não foi tachado de relativista. E já que toquei nessa palavra, paro nela. Existe um velho truque da retórica que consiste em encarnar a negação do seu argumento num inimigo fictício, transformá-lo numa caricatura (sem exagerar, para não ficar evidente demais), explorar à exaustão o ridículo de seu pensamento e, por fim, apresentar como redenção sua própria forma de pensar. Não costuma falhar. Goebbels, por exemplo, inventou a figura do judeu que era ao mesmo tempo financista, sionista e comunista. Em toda a Europa, quem não caiu, pelo menos balançou.
Hoje, para além da figura batida do árabe-terrorista-antiamericano, existe uma palavra guarda-chuva que não designa ninguém em particular e é, por isso mesmo, mais eficiente em sua missão de cobrir tudo que se queira desqualificar. O tal relativismo não tem rosto, como um indivíduo árabe (aquele que Bush deplora) ou judeu (que Goebbels denegria). Assim, não se pode apontar para o adversário, chamá-lo de feio e sair andando. Mas é por isso mesmo que qualquer coisa pode passar por relativismo, contanto que se oponha à convicção do orador.
Basta partir do começo de sempre, que é revelar, pela milésima vez, o erro de um enunciado bem batido: “tudo é relativo”. Ora, dirá o gênio da lógica: essa frase é uma contradição performativa, porque para que ele seja verdadeiro, é necessário que ao menos ele mesmo seja absolutamente verdadeiro. Mas nesse caso, ele seria falso, tendo afirmado que tudo é relativo. Partindo dessa denúncia notável em sua originalidade, pode-se acusar qualquer um de ser relativista. Basta tentar colocar as coisas em perspectiva, analisar o quadro teórico de um conceito ou buscar as raízes históricas de uma determinada conjuntura. Pronto, amigo… haverá um adversário esperto para apontar o seu relativismo. Afinal de contas, alguém que não corre para meter todo o universo sensível em compartimentos pasteurizados e perenes está sempre a um passo de afirmar que “tudo é relativo”, não é verdade?
A coisa se complica um pouco quando procuramos alguém que afirme, de fato, que “tudo é relativo”. Encontramos, sim, muita gente dizendo que “tudo está em relação”, que “tudo é relativo a algo” ou, no máximo, que “nenhuma verdade é absoluta”. Mas nada que não dê para contornar. Basta transformar tudo isso em sinônimo de “tudo é relativo”. E parece, não parece? Acontece que dizer “nenhuma verdade absoluta” é apenas o oposto de dizer “alguma verdade é absoluta”. Essa assertiva, sim, é que seria bem difícil de defender. O único indivíduo que poderia afirmar algo assim sem incorrer numa falácia seria um indivíduo absoluto, isto é, onisciente.
Ou seja, Deus. O que ajuda a explicar por que os papas são os primeiros a atacar o tal relativismo, já aproveitando para jogar no mesmo saco o ceticismo, o ateísmo, o secularismo e tudo que escape ao poder soi-disant espiritual do Vaticano. Aceitemos que o papa ainda tem uma certa margem de manobra para defender que “alguma verdade é absoluta”; afinal, segundo a mitologia que o sustenta, ele é infalível mesmo quando se contradiz. Isso não vale para nenhum outro ser humano, porém. Qualquer indivíduo, por mais fiel que seja, ao afirmar que “alguma verdade é absoluta” não está se colocando de acordo com o Deus em que acredita, mas no lugar do Deus em que acredita. Ele está afirmando saber, sem o menor pingo de dúvida, algo que caberia a Deus e a ninguém mais saber. Em outras palavras, alguém que afirme que “alguma verdade é absoluta” e em seguida der um exemplo, está, na melhor das hipóteses, blasfemando.
Mas se fosse privilégio do obscurantismo religioso, a criação do inimigo relativista não iria muito longe. O simples fato de autoridades pretensamente espirituais se verem forçadas a entrar num debate já atesta a obsolescência de sua teo-ontologia. Infelizmente, o barulho que fazem mascara sua verdadeira estratégia: ditar os termos do contraditório. Conseguindo estabelecer a “linha agonística”, seu grande triunfo é arrastar para a estrutura lógica deles as pessoas que deveriam estar em debates muito mais avançados.
Com isso, mesmo quem defende valores humanos, seculares, terrenos, acaba os defendendo errado. E esse é o maior perigo. O que não falta são especialistas (e seus acólitos) reunindo uma série de belos conceitos – tolerância, democracia, liberdade – num pacote de nome esquisito: “valores ocidentais”, para opor ao obscurantismo do adversário da vez, quais sejam, hoje, os árabes, muçulmanos, terroristas, enfim, escolha a palavra que lhe pareça mais chocante. Em que pese o termo “ocidental” ser dos mais presunçosos que haja, esse pacote de valores produz uma ideia de que todos esses belos conceitos são inerentes a uma parte do mundo (algo como um “povo escolhido”…). O “ocidente” seria, então, a gente (o século XIX diria “a raça”) que vislumbrou essas tábuas humanistas dos mandamentos, enquanto o resto do mundo, esses primitivos, segue incapaz de enxergar a Verdade.
Por um lado, conceber assim os valores da Declaração Universal dos Direitos Humanos (por exemplo) escamoteia todo um passado de lutas, disputas, sofrimentos e traições, guerras, revoluções, golpes palacianos e tratados redigidos, que permitiu o florescer dessas belas ideias. Nunca é demais lembrar que a primeira declaração dos direitos do homem (e do cidadão) foi fruto da mui pacífica Revolução Francesa; a segunda, essa mencionada no começo do parágrafo, foi uma resposta a nada mais, nada menos do que o holocausto e demais atrocidades no nazi-fascismo. Apontar os conceitos do humanismo como valores morais absolutos é fechar os olhos para seu maior mérito: a historicidade. Se hoje cremos que nada é mais sagrado do que uma vida humana, agradeça à história, à filosofia, à politica. Mas não a alguma espécie de fundamento metafísico. Por sinal, o postulado da sacralidade da vida humana é, no mínimo, relativo à existência de seres humanos. Crer nele como absoluto é nada mais que absurdo.
Por outro lado, ao campear no terreno do adversário, o humanista absolutizado entra numa batalha que não poderá jamais vencer. E teria sido tão fácil… Tomemos o exemplo da burqa, que qualquer humanista considera um acinte e um desrespeito aos direitos da mulher. Se apontar o dedo para o mulá mais próximo, acusando-o de violar o valor absoluto da igualdade entre os sexos, a eminência adversária dará de ombros. Quem disse que esse valor é absoluto?, ele perguntará. E prosseguirá: nós preconizamos a burqa como aplicação de um valor absoluto (a superioridade de um sexo sobre o outro) definido por um ser absoluto, que é Deus. Você chama de absoluto um valor escrito por uma assembleia parcamente internacional, há coisa de meio século.
Normalmente, o humanista poderia demonstrar com duas frases que quem instituiu esse tal “valor absoluto” não foi Deus, foi o próprio sacerdote. Que ele interpretou da maneira que quis um livro que ele mesmo definiu como santo. Que ele está se escudando atrás de um ser transcendente para poder encampar seus próprios preconceitos e seu próprio poder, um poder secular se passando por espiritual. Mas o humanista absolutizado ficará sem palavras, porque, de fato, não pode ser absoluto um código de valores que evolui com o tempo, que começou como uma afirmação dos direitos da burguesia no século XVIII e até hoje continua sendo emendado para incluir quem estava de fora: as mulheres, os negros, os deficientes físicos, as crianças, agora os animais e, a seguir algumas tendências bem contemporâneas, logo a natureza inteira.
* * *
Este texto é claramente uma longa digressão. Pretendo tratar o tema do “relativismo” em outro artigo, mas agora preciso voltar a Edward Said, senão vai parecer que ele foi só uma desculpa para fisgar o leitor (que, a essa hora, certamente já se mandou). Said aponta que, nas mãos dos especialistas imediatos e superficiais da mídia, perdemos a capacidade de mergulhar na realidade do outro. Verdade seja dita, essa capacidade nunca foi muito disseminada… Mas havia, pelo menos, os filólogos, dentre os quais Said põe uma coroa na cabeça de Auerbach (com muita justiça).
Pior ainda, eu acrescentaria que perdemos a capacidade de mergulhar em nós mesmos. Na pressa de estar “do lado certo”, estregamos o ouro nas mãos do bandido porque abandonamos o lento processo de estabelecimento das nossas conquistas – e ouso falar “nossas” porque me considero um humanista, um moderno, defensor de todos esses belos conceitos que enumerei acima. Muito sangue correu para que aprendêssemos a viver segundo princípios que não dependem de nenhum holismo, nenhuma transcendência, nenhuma imposição divina.
É uma vitória e, como toda grande vitória, precisa ser renovada a cada instante, diante de cada ameaça. Daí a pergunta da filologia: o que isso quer dizer? De onde veio? Como tomou corpo? É muito mais do que um esforço hermenêutico. É a construção das nossas convicções e dos nossos valores. Que são nossos, não são absolutos, felizmente.
Posted in: Filosofia, comunicação, deus, ensaio, greve, guerra, história,
14 Comments on “Edward Said, a filologia e o tal relativismo”
on Sep 11th, 2009 at 3:46 pm
maravilha pura. vou tuitar.
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on Sep 11th, 2009 at 4:33 pm
Olá Diego,
no final das contas, independente de quem o condene (o papa ou o ateu), um tapa na cara de uma muçulmana afegã continuará doendo na pele e na honra da mesma forma que em uma católica não praticante brasileira, de uma judia israelense ou de uma evangélica norte-americana.
No fim das contas, a filosofia se perde na prática do cotidiano, em valores cuja origem está no cerne do pensamento ocidental – sim, pois somos ocidentais – mas que podem ser pinçados em diversas culturas e épocas apontando para valores absolutos sim.
Pouco importa se estes valores tiveram origem em um galileu revolucionário, em um indiano obeso, em uma turba de revolucionários ateus ou em uma assembléia de nações. O que importa, de fato, é que a humanidade vem depurando aos poucos um conjunto de valores que, aos poucos – sendo aplicados na prática ou não – foram alçados a um patamar de ideal.
Tergiversar sobre estes valores e colocá-los em dúvida é dar força a quem quer condenar mulheres ao medievalismo, a quem quer manter homossexuais na condição de párias, a quem quer vender a fé em templos, patrocinar o conceito de raça, manter de pé o obscurantismo.
Dizer que uma mulher deve valer o mesmo que um homem é ser um humanista absolutizado?
Condenar as culturas e sociedades que condenam homossexuais a morte ou ao ostracismo social é ser um humanista absolutizado?
Execrar qualquer tipo de controle sobre a liberdade de expressão é ser um humanista absolutizado?
Sou um humanista absolutizado então.
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Diego Viana Reply:
September 11th, 2009 at 8:20 pm
Victor, acho que estou repetindo o que já escrevi no texto, mas vamos lá:
Não se trata de “colocar os valores em dúvida”, mas de reconhecer de onde vem a força deles. Ao pensar que determinado valor é absoluto, você o enfraquece, porque o coloca num sistema essencialista que explode toda a possibilidade de ser humanista.
Veja bem: o essencialismo é necessariamente metafísico ou religioso, o que, no fim das contas, dá no mesmo. Resultado: você entrega a vitória ao adversário mesmo tendo a melhor das intenções.
O que se perde na prática do cotidiano não é a filosofia, mas a filosofia superficial. Produzir invectivas contra um mundo distante não me parece nada quotidiano, cá entre nós. Acontece que, ao negar a historicidade dos valores que você defende (ou seja, ao defender que sejam absolutos), você esvazia toda a força deles e deixa aberta a porta para quem venha com um sistema mais absoluto. Não é à toa que o evangelismo mais rasteiro está ganhando terreno no Brasil e nos EUA, enquanto no mundo muçulmano os radicais também vão se dando bem. Porque o humanista deveria dizer: NÓS não aceitamos isso porque NÓS postulamos a sacralidade da pessoa humana.
O talibã afegão, diante disso, aparece como um maluco paranóico. Diante de um humanista que veja o ser humano como um valor absoluto (ou seja, IMPOSTO), o afegão parece, ironicamente, mais racional e justo, porque pelo menos ele “sabe” QUEM impõe as regras dele, ao passo que o humanista abriu mão de sua vantagem: afastando sua própria construção, ele joga seus valores absolutos num enorme vazio. E sai DERROTADO.
Sendo assim, “humanista absolutizado” é aquele que rasga o humanismo sem querer, com a melhor das intenções, e contribui involuntariamente para o triunfo do obscurantismo. Para “lutar contra o mal” (expressão muito usada, aliás, pelo “outro lado”), acaba caindo no colo de prosélitos como aquele “professor de lógica” jesuíta que você postou e que comentei recentemente.
Você está enganadíssimo ao dizer que não acreditar que esses valores sejam “absolutos” é favorecer a homofobia, o sexismo e assim por diante. Pelo contrário. Mesmo os primeiros humanistas eram sexistas e homofóbicos (Voltaire, Kant…), mas pelo fato de que o humanismo tem a força de não precisar de coisas absolutas (ou seja, divinas, metafísicas, transcendentes), pudemos pouco a pouco conquistar essas áreas. Ironicamente, se você defendesse como absolutos os valores humanistas de 100 anos atrás, você seria sexista e homofóbico. Compreende o beco sem saída?
Portanto, respondendo a suas perguntas:
1) Dizer que uma mulher deve valer o mesmo que um homem NÃO é ser absolutizado. Dizer que isso é um valor ABSOLUTO é estar ENGANADO. Esse é um postulado de uma comunidade humana que EVOLUIU (psico-socialmente) para desenvolvê-lo e que precisa lutar DIA E NOITE para mantê-lo. Crendo que é qualquer coisa de “absoluta”, tudo estará perdido e voltaremos à Idade Média.
2) Como assim, “condenar culturas e sociedades”? Que pena você quer impor a elas? Um Gulag? É claro que você pode e deve condenar as atrocidades que elas cometem, mas não serão seus canhões e seus F-16 que mudarão isso… MUITO PELO CONTRÁRIO. Para isso, só há uma solução: desenvolvimento. Confrontação com outra realidade. Levantes, passeatas, resistência. Existem ótimas formas de incentivar isso: Unicef, Médicos Sem Fronteiras, Arte contra a barbárie e por aí vai.
Suas invectivas serão (já são, por sinal) interpretadas por eles como ofensas, pura e simplesmente. Nunca viu cartazes dizendo “Kill those who insult islam”? Sabe por quê? Porque “você é contra Deus”… porque, seu absoluto sendo oposto ao absoluto deles, você só pode ser “diabólico”…
Traduzindo: você entrou no jogo deles. Com a melhor das intenções, claro, mas entrou.
3) Execrar é seu dever e seu direito. Por outro lado, achar que esse direito caiu do céu (já que é absoluto) é a melhor maneira de perder sua liberdade de expressão e muitas outras liberdades.
Não existe humanista absolutizado e foi isso que tentei demonstrar no meu texto (espero que esta resposta seja mais eficaz). Ou bem você é humanista, ou bem é absolutizado. A ideia de “absoluto” é a maior oposição ao humanismo que existe, porque ela pressupõe algo de imutável, eterno… e absoluto, para além do alcance do humano. Se você acredita nisso, você pode ter a melhor das intenções, mas não é um humanista.
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on Sep 11th, 2009 at 10:37 pm
Esse é um dos melhores posts, senão o melhor, do último ano, e quem sabe dos últimos anos. Pq? Simplesmente pq mata com uma cajadada vários coelhos:
– mata a confusão entre politicamente correto e pluralismo, vista não apenas no cotidiano e nas colunas de jornal, mas nos blogues mais “influentes” (e pensemos nos últimos meses diversos posts de jornalistas, juristas e professores universitários, defendendo o politicamente correto sem reflexão alguma, como adesão pura e simples a certos temas que deveriam ser discutidos);
– dá em forma de “blogue” um modo de expressão sobre tudo o que deveria se discutir em âmbito de hipertexto, mas ninguém discute;
– enfim, retoma em termos “populares” uma discussão que nunca sai da ordem da vez, e que é precisamente as implicações do pluralismo com o humanismo e o relativismo.
Perfeito: quem aproxima pluralismo de relativismo simplesmente reduz o pluralismo a um tema auto-contraditório; se aproximo pluralismo e humanismo tendo a adotar por baixo dos panos um “absolutismo” humanista e portanto não pluralista; e enfim, se adoto irrefletidamente uma posição a favor do “outro”, segundo o politicamente correto, acabo simplesmente repetindo o mesmo discurso pré-formatado que julgo meu, mas é mais uma roupagem escolhida dentro do cabide de modos de subjetividades prévios e pré-capturados. Assim, convenço-me ser “politicamente correto”, mas deixo tudo o que é plural e autônomo passar ao largo…
Como disse o Foucault mais de uma vez, e ipsis literis, o humanismo é a maior “prostituta” do século XX, e ele usa um exemplo muito semelhante ao seu: 50 anos atrás poderíamos ser “humanistas” tecnocratas, nazistas ou stalinistas; 100 anos atrás adotaríamos valores “humanistas” diametralmente opostos aos de hoje, e assim por diante…
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on Sep 12th, 2009 at 10:59 pm
Eu já sabia que não era humanista, mas você me colocou numa saia justa, Diego. Nunca me vi também como absolutista. Rótulos são sempre um problema. Eu não gosto do rótulo “evangélico” que me dão atualmente. Prefiro o que me davam há 20 anos atrás “crente”. Já meu sócio diz que sou um “o evangélico menos crente que ele conhece” e ao mesmo tempo ele diz que sou “uma das pessoas mais religiosas que ele conhece”. Isso apenas no que tange à religião.
Entretanto, classificar as pessoas pela visão religiosa como absolutista e, portanto, separada do grupo humanista, definindo as pessoas em apenas nesses dois grupos não haveria, aqui nesse critério, uma pontinha de absolutismo?
Eu, por exemplo, por questão de fé, não comungo dos mesmos pensamentos do que um hinduísta, contudo, não afrontaria sua fé se ele me convidasse para um jantar (ou se eu o convidasse para a minha casa).
Eis um problema. Num comentário acima você afirma: “você pode e deve condenar as atrocidades que elas cometem”. Minha pergunta é: qual é o limite entre a tolerância de uma atrocidade e respeito à cultura? Ou ainda: quem ou o que define que algo é uma atrocidade? Será que eu poderia buscar na Bíblia esse valor definitivo e universal que Paulo explicita em Romanos 2:14-15; “porque, quando os gentios, que não têm lei, fazem por natureza as coisas da lei, eles, embora não tendo lei, para si mesmos são lei. Pois mostram a obra da lei escrita em seus corações, testificando juntamente a sua consciência e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os”; ou deveria beber de uma outra fonte mais “secular” o conceito de atrocidade que deveríamos combater?
Ainda existe um outro problema: suponha uma tribo onde é prática corriqueira matar o segundo a nascer, no caso de gêmeos, porque o segundo possui espírito maligno, para roubar a identidade do outro e causar grande mal à tribo. Existe uma ONG de pessoas “ocidentais” que salvam essas crianças, mas elas não podem ser criadas na sua tribo de origem (por motivos óbvios). Ocorre que educar uma criança com valores diversos da sua cultura, no direito internacional, é ato de “genocídio (cultural)”. De outro modo, educá-lo com valores de sua tribo, ainda que distante fisicamente deles, poderia gerar que espécie de trauma numa criança que possui um espírito maligno dentro de si e que sua existência implica num risco para seu povo? Como um humanista deveria se comportar? Deixar o pajé matar a criança, educar o menino como ocidental, ou ensiná-lo que ele é a encarnação da destruição? Qual dessas seria a menor (ou a maior) atrocidade?
Quantos outros valores como “direito à vida”, “honra”, “dignidade da pessoa humana”, “direito à intimidade” e a própria noção de identidade e propriedade são construídos sem, necessariamente, a religião, porém divergem em peso e prioridade a depender do contexto social e cultural que os conceberam? Como se incutirá o conceito de propriedade privada e de direito autoral na mente de alguém de berço puramente comunista? Ou será que somos nós que devemos nos convencer que o conceito de “propriedade” material ou intelectual é uma excrescência da nossa cultura que deveria ser abolida, assim como a prisão civil por dívida (de natureza alimentícia)?
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Diego Viana Reply:
September 13th, 2009 at 2:40 pm
Mythus, muito bom seu comentário, porque me permite esclarecer alguns pontos-chave da questão que provavelmente estão obscuros pra quem não está acompanhando “o caso”.
A ideia, pelo menos do meu lado, não é criar uma dicotomia “relativista” x “absolutista”, mas argumentar que esse grande conceito de “relativismo” nada mais é do que um termo guarda-chuva pra anular qualquer ideia contrária às nossas próprias grandes convicções. Com certeza, “absolutista” cairia no mesmo, mas não esotu aqui pra chamar ninguém de “abolutista”… até porque não é necessário; o termo que uso no texto é “humanista absolutizado”, que é uma pessoa que defende princípios humanistas (definidos como aqueles que derivam do postulado da sacralidade da vida humana), mas cai na armadilha da “razão pura” e pensa que esses princípios são “absolutos”, ou seja, são válidos por si, “antes do Big Bang” e tal. Esse erro de princípio implica uma série de outros erros que quebram em pedaços o humanismo de partida, como eu quis demonstrar no texto. O tal “humanista absolutizado” não é uma categoria humana, não é um conceito, nem corrente, nem nada; é só um contraponto à ideia do tal “relativista”.
Quanto às religiões, a questão é mais sutil, mas mais interessante. Repetindo, não se trata de tachar um pensamento religioso de “absolutista”, porque isso concentraria todo o sentido metafísico da religião num único princípio. O que eu tentei demonstrar no texto é o seguinte (em enorme medida baseado em Kant, que por sinal estava longe de ser ateu): para que haja um valor absoluto (seja ele moral, estético, econômico, o que for), é preciso que haja um sujeito absoluto. Por quê? Porque “valor” descreve uma propriedade de um sujeito, que se posiciona em relação a um fenômeno, a algo percebido (e assim lhe atribui valor). O valor absoluto seria, assim, propriedade de um sujeito absoluto.
Sujeito absoluto = Deus. Portanto, se você acredita em valores absolutos, você necessariamente acredita em Deus (ou num princípio de ordem cósmica que acaba caindo em um deus, mas não é o lugar pra discutir isso). Porém, eis o pulo do gato, o mais importante: ao DEFINIR um valor absoluto, digamos, “honra”, como no seu exemplo, a pessoa está dizendo que CONHECE o ponto-de-vista desse sujeito absoluto. O que pode passar entre pessoas que concordam na verdade (absoluta) de um determinado livro, mas não passa universalmente; e mesmo entre pessoas que concordam sobre aquele livro, existe a questão da exegese…
É por isso que o humanista não pode defender a ideia de “valores absolutos”; porque se ele descartar essa ideia, ele pode apontar quem a defende e dizer: “você acha que é Deus”; se não descartar a ideia, ele não pode nada e vai pregar no deserto.
O ponto que você levantou, sobre a definição da atrocidade, é central. Veja, uma das acusações que se fazem a esse grande guarda-chuva conceitual “relativismo” é dizer que os valores (morais, no caso) são “apenas” construções sociais. Por que “apenas”? A vida social (leia-se coleitva) é a resultante de uma construção paulatina da configuração psico-social dos membros daquela coletividade. “Moral”, “cultura”, “economia”, são formas de estruturaçnao desses coletivos, em torno das perguntas “o que faz sentido?”, “o que é aceitável”, “como vivemos?” e por aí vai.
Agora à sua pergunta: é muito comum que configurações sociais que funcionam perfeitamente no isolamento caiam em pedaços quando confrontadas com outras; é claro que isso acontece. Os problemas, perspectivas e possibilidades mudam completamente. No caso “civilizado” x “primitivo”, entram em jogo outros problemas. “Devemos civilizá-los?”, “devemos preservá-los?” e por aí vai. Quando as fronteiras do mundo mudam, cria-se um vão conceitual, cheio de atritos, que exige o estabelecimento de novos parâmetros. Foi o que aconteceu, por exemplo, depois da descoberta da América. O pensamento europeu foi completamente posto em questão e reconstruído a partir do século XV. O nome disso foi Renascença.
Você pergunta o que deve fazer a ONG. A pergunta precisa antes passar por outras: é possível deixar intocada aquela tribo? É desejável? O mero fato de ter existido um contato não vai abalar as estruturas culturais e morais deles?
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on Sep 14th, 2009 at 1:27 pm
Diego,
tenha paciência com o amigo, sou um pouco apressado e por isso acabo reduzindo as coisas ao nível da praticidade. Não tenho também o embasamento teórico que você tem. Aprendo toda vez que leio algo de sua lavra. Mas, cabeça dura do jeito que sou, insisto sempre em colocar as coisas no campo da prática. Sendo assim, esboço a seguir um exemplo pra que o amigo me ajude a compreender o raciocínio.
Digamos que eu esteja sentado em uma mesa de bar com um grupo de amigos, um homossexual, um católico e um ateu convicto. Na mesa ao lado, uma pessoa começa a tecer comentários homofóbicos em voz alta, agressivo, sugere que o Brasil adote a pena de morte para homossexuais. Meu amigo ateu se sente constrangido, mas prefere ficar quieto. Já meu amigo católico se levanta e exige que o energúmeno guarde para si sua opinião, ou que a profira em voz baixa, de modo que nosso amigo homossexual não se sinta discriminado.
Qual seria a melhor atitude a ser tomada por mim?
1- Ficaria quieto, ao lado do ateu convicto, afinal, que diabos este católico pode falar sobre preconceito? Ele, que acredita em um ser supremo, ele que crê em valores absolutos. Melhor ficar quieto e não colocar em risco a historicidade dos valores que defendo.
2- Me uniria ao católico e confrontaria o preconceituoso. Afinal, pouco me importa que ele acredite em Cristo e em seus ensinamentos se está defendendo algo que julgo correto, um valor absoluto, mas correto. Melhor tomar uma posição clara a ficar conjeturando sobre se vou esvaziar ou não a força de meus argumentos ao me colocar ao lado de um crente.
PS: Em momento algum disse que o seu artigo foi uma resposta especifica sobre os meus posts, disse, isso sim, que ele seria um bom contraponto.
PS: Desculpe pelo N de sobra.
Abs.
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Diego Viana Reply:
September 14th, 2009 at 5:27 pm
Victor,
Seu exemplo é excelente, mas antes de entrar nele, um breve comentário:
A pressa nunca leva ao domínio da prática, mas leva a aliar-se a ideias que parecem muito razoáveis na superfície mas que, na prática, levam a resultados desastrosos. A distinção entre teoria e prática é enganosa, por exemplo. A ação de um indivíduo no mundo depende largamente na maneira como ele concebe seu entorno, isto é, o próprio mundo. Teoria sem prática é retórica vazia e prática sem teoria é leviandade. No seu caso, ao subscrever aos ataques a um conceito como o “relativismo cultural”, que nada mais é do que uma maneira de colar uma etiqueta em adversários desconfortáveis, você acabou caindo nas mãos de um proselitismo cujo objetivo era o oposto do que você pretendia. Na prática, a ideia de valores absolutos leva necessariamente à intolerância, porque pressupõe uma imutabilidade das relações que é totalmente desgarrada da realidade (leia-se prática) humana.
Exemplo? Alan Turing foi um dos maiores cientistas britânicos do século XX. Sem ele, não haveria computadores e talvez os aliados não ganhassem a guerra (ele decifrou o código dos nazistas). Só que ele era homossexual. Um dia, ele conheceu um rapaz e o levou para sua cama. O rapaz abriu a janela para ladrões entrarem e depenarem o apartamento. O que fez Turing? O mesmo que faríamos você e eu: deu queixa na polícia. Mas a lei britânica condenava as relações homossexuais e, em vez de prender os ladrões, prendeu Turing, que se matou na prisão. Agora eu te pergunto: imagine se os valores humanísticos de 1950 fossem considerados absolutos até hoje… o que seria do mundo, da dignidade humana, da tolerância? Bom, seria o que aconteceu com Turing. Mas não, esses valores são construídos pouco a pouco, pela realidade (sim, a prática que você reclama para si) e pela reflexão diante dessa realidade (sim, a teoria que você parece considerar pouco útil na vida real).
No seu exemplo, a resposta é muito simples: uma vez que o católico resolveu rasgar as regras de sua própria igreja (no que faz muito bem), você tem que ficar ao lado dele nessa questão. Qual é o problema? Ele está (muito estranhamente) defendendo o seu ponto-de-vista, por que você se colocaria contra ele? Não entendi muito bem…
O que acontece é o seguinte: mais uma vez, não é uma questão de do lado de quem você fica ou deixa de ficar. A questão é o que você defende ou deixa de defender e POR QUÊ. Se você não sabe por que defende algo, é só alguém com boa lábia te convencer de outra coisa, que você deixa de defender num instante… Quando foi que eu disse que você não pode concordar com uma pessoa num ponto específico, se ele coincide com o seu pensamento? Eu jamais escrevi que você deve rejeitar qualquer pio de alguém que crê em Deus ou deuses… O ponto está longe de ser esse.
Aliás, parabéns ao seu amigo católico que não leva tão a sério assim a ideia de que possa haver princípios absolutos – se levasse, ele dificilmente teria uma amizade sincera com um homossexual. Ia chamá-lo de “desviado”, “invertido” ou, se tivesse a índole um pouco melhor, ia achar que o sujeito tem “uma doença, coitado”. Felizmente, ele não acredita que necessariamente o que está escrito na Bíblia ou nas bulas papais seja uma verdade… absoluta, e pode confrontar esses textos com a realidade (sim, a prática) para construir seu próprio leque de princípios.
Victor, acho que você está confundindo “absoluto” com “universal”. São duas coisas completamente diferentes. Tenho a impressão de que você quer dizer que a validade de certos princípios morais que você defende deve ser universal (deve é diferente de “é”, lembre-se). Nisso, concordo em grande medida contigo, na medida em que as condições para tal se estabeleçam. Mas “absoluto” é um termo muito radical e que vai te levar numa direção bem perigosa de intolerância e imobilismo.
– Eu sei que você não disse que era diretamente para você, mas por via das dúvidas, achei por bem esclarecer.
Abs
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on Sep 15th, 2009 at 8:04 pm
Diego, eu não estudo filolofia e fiquei boiando, desculpe!
Sobre tudo ser relativo. Não, não é, se esse tudo tem limites. Quer dizer, quase tudo! E lembrando de Carlos Drummond de Andrade em seus miniversos:
Tudo tem limite
exceto
o amor de Brigitte.
Os contornos, o ‘olhar’ diferente de Brigitte, coloca o seu amor à margem, à um ponto de limitação.
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on Sep 16th, 2009 at 6:00 pm
Diego,
compreendi bem seu ponto de vista, mas permita-me discordar dele em alguns aspectos.
Não concordo que a idéia de que valores absolutos levem necessariamente à intolerância. Há, em minha opinião, valores absolutos (absolutos sim, não apenas universais). A vida é um valor absoluto. A liberdade de expressão também o é. A igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres, entre as muitas opções sexuais, entre raças e religiões também são valores absolutos.
Estes são valores mutáveis? Daqui a uma centena de anos poderemos chegar a conclusão de que este o aquele grupo social não tem o direito à vida? Ou que esta ou aquela raça deve ser discriminada?
Quando me refiro a valores absolutos, me refiro àqueles que dizem respeito a liberdade do indivíduo, a garantia de sua cidadania. São os valores “construídos pouco a pouco, pela realidade e pela reflexão diante dessa realidade”.
Alan Turing foi vítima do preconceito e não de um valor absoluto. A liberdade sexual deve ser defendida hoje como um valor absoluto, como o deve ser daqui a 50, 100 ou 200 anos. Penso haver valores imutáveis, que estão acima de culturas, religiões, filosofias.
A posição de Harry Gensler é muito próxima ao do meu “amigo católico” do exemplo. Ambos apontam contradições do relativismo cultural e sua tendência a estabelecer uma cultura do conformismo prejudicial às minorias, apesar de suas crenças. Meu “amigo católico” não mereceria as mesmas criticas que você reservou a Gensler?
Você diz : “No seu exemplo, a resposta é muito simples: uma vez que o católico resolveu rasgar as regras de sua própria igreja (no que faz muito bem), você tem que ficar ao lado dele nessa questão. Qual é o problema?”
Dentro das devidas proporções, não foi o mesmo que fez Gensler?
Você diz: “Quando foi que eu disse que você não pode concordar com uma pessoa num ponto específico, se ele coincide com o seu pensamento?”
Não foi o que você fez com Gensler? Afinal, todo o artigo, apesar da ênfase no relativismo cultural, tinha como pano de fundo o caráter de vulnerabilidade das minorias frente a este pensamento. Independente do argumento utilizado (que você critica e eu concordo) e da crença do autor você discorda desta tese?
Sobre a diferença entre “universal” e “absoluto”: estes princípios morais aos quais me refiro são universais e absolutos. Não penso que “devam ser”, penso que “são”.
Abraço.
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Diego Viana Reply:
September 16th, 2009 at 7:45 pm
Victor, a vida não é um valor moral, a vida é um fato. Atribuir a ela valor (moral) é algo que só pode acontecer dentro de uma realidade humana. E a realidade humana é o domínio por excelência do contingente. Às vezes, dois valores morais supremos (que você pode acabar confundindo com absolutos) se chocam, como no caso da eutanásia, em que a vida está do lado oposto da dignidade e você é obrigado a escolher. Se você atribuir à vida um valor moral absoluto e à dignidade individual idem, está lascado. Mas sempre vai aparecer um ativista com a melhor das boas intenções defendendo o vlaor “absoluto” da vida ou o valor “absoluto” da dignidade individual… Se o cara for um pouco mais esquentadinho, acaba matando médicos, coisas assim. Ao passo que se esses mesmos ativistas entendessem que “absoluto” é um termo que deveria estar riscado do nosso vocabulário desde o final do século XVIII, poderiam debater, saudavelmente, em que condições uma pessoa pode ou não decidir pelo fim da própria existência.
“Moral” é um conceito complicado, porque as pessoas sempre o confundem com noções como “o bem”, “o justo”, “a verdade” e assim por diante. Sendo que moral nada mais é do que aquilo que a vida coletiva humana, na infinidade da reprodução de seu quotidiano, separa entre o “aceitável” e o “inaceitável”. Entendendo isso, é até emocionante pensar que alguém pode tratar como absolutos a igualdade sexual, racial e assim por diante. Significa que a humanidade evoluiu tanto que já podemos esquecer a enorme dificuldade que foi adquirir esses direitos, contra noções antiquíssimas e tidas como absolutas, como a “honra”, “a hierarquia”, “a nobreza”, “o sangue”, “a raça” e por aí vai.
Aliás, o principal deles é “a família”, e te garanto que daqui a 100 anos ou até menos, dependendo das condições ambientais e econômicas, podemos esquecer todos os belos valores que construímos e cair num cada um por si ensandecido em nome da água, da comida, da terra, de sei lá o quê. Basta dar uma passada d’olhos pela história da humanidade. Não é à toa que as regras morais foram ditadas durante tanto tempo pelas religiões, meu amigo: só a crença numa força transcendente (e absoluta) impediria a tal “guerra de todos contra todos” em situações de penúria. Se hoje podemos defender o direito e a justiça para todos, não é porque somos uns iluminados que descobrimos os valores realmente absolutos, finalmente, mas porque temos condições para tanto. Mas sim, isso pode mudar num instantinho, como tantas vezes já aconteceu. Já viu E O Vento Levou?
A cidadania é uma construção social. É curioso alguém reclamar do tal relativismo (para o qual, como dizem, “tudo não passa de construção social”) evocando a cidadania… De toda forma, o que se constrói historicamente é obviamente não absoluto…
Victor, Alan Turing foi vítima da lei. Uma lei que se pretendia justo, porque era “evidente” que a homossexualidade era uma “inversão” inaceitável, contrária a todos os “valores absolutos”. Praticamente um pós-conceito, como você vê…
Como é que alguma coisa pode “dever ser” absoluta? Acho que você não captou bem o sentido de “absoluto”…
O que Gensler fez não tem nada a ver com isso. Ele simplesmente escreveu um texto em que tenta mostrar que a construção humana não pode chegar a valores suficientemente estáveis para a vida, portanto precisamos buscar valores “absolutos” lá onde eles são oferecidos. Onde é isso? Voilà. É que ele escondeu bem a intenção dele, apesar de alguns erros conceituais pra lá de grosseiros, como eu apontei no comentário ao seu post.
O que você chama de pano de fundo era justamente a superfície… O fundo do artigo nada mais era do que proselitismo e dos mais baratos. Aliás, o proselitismo é o que há de mais perigoso nos dias que correm, como você vê.
Se a tese é que as minorias sofrem diante do reconhecimento de que os valores morais não são absolutos, mas se desenvolvem no decorrer da existência humana, é claro que discordo. A tese é absurda. As minorias sofrem porque maiorias (em geral armadas e ricas) impõem a elas o que fingem ser seus valores “absolutos”, quando na verdade nada mais são que seus interesses.
Não são universais porque nem todas as pessoas acreditam neles (definição de universalidade). E não são absolutos porque isso simplesmente não existe.
Abraço
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on Sep 17th, 2009 at 12:59 pm
Dizia o mexicano Alfonso Reyes que a filologia era “el arte de leer despacio”.
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on Sep 17th, 2009 at 4:22 pm
DIEGO! Que maravilha! Não só não “fui embora depois do momento Said” (e eu adoro E.S.!), como estou guardando, e aguardando a continuação (além da continuação dos debates/comentários que estão interessantíssimos).
Você botou um belo fogo numa oportuna fogueira…
Delícia! Parabéns! BJS!
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on Sep 17th, 2009 at 4:24 pm
Como tento acima fazer você ver, meu e-mail mudou para montenegro.cristina@gmail.com
Se sua página não aceitar o novo no arquivinho acima, você o corrigiria por favor?
Obrigada!
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