
Mahmud Darwish
I
Te saúdo.. te beijo
Que mais posso dizer
Por a onde começar e como terminar
O tempo gira sem descanso
E tudo que passou, no meu exílio
Uma bolsa em que ponho pão seco
Um caderno em que descarrego às vezes
Em que cuspo todo meu ódio
Por onde começar
Tudo o que se disse ou o que se dirá,
Pode terminar com um abraço ou um aperto de mãos
Fará que o exilado volte para casa
Fará cair a chuva
Fará que brotem penas
Nas asas do pássaro perdidos…
Esmagado
Por onde começar
Te saúde… te abraço, depois…
II
Eu disse no rádio… digam-lhe que estou bem
Disse ao pássaro
Se vais para ela
Não me esqueças e diz-lhe
Que eu me sinto bem
Que eu me sinto bem
Meus olhos continuam vendo a luz
A lua segue no céu
E meu velho traje
Não se esfarrapou até agora
Rasgou-se um pouco
Mas eu o cosi… e ainda me cobre
Agora sou um jovem de vinte anos
Pensa um pouco… tenho vinte anos
E sou como todos os jovens
Ó mãe
Afronto a vida
E suporto a carga que cada homem leva
Trabalho
Em um restaurante… lavo pratos
Preparo o café dos clientes
E colo em meu rosto triste um sorriso
Para entrar no tom
III
Me sinto bem
Tenho vinte anos
Sou como todos os jovens
Fumo, me debruço sobre os muros
E assobio às meninas
Como os outros
Porque são agradáveis as meninas ó irmãos
Sem elas
Quão mais amarga nos seria a vida
E meu companheiro disse…tens fome?
Sinto que tenho fome… tens pão?
“irmãos… que dignidade se pode ter
Quando se tem fome?”
Me sinto bem
Me sinto bem
Tenho um pão dourado
E uma cestinha com grãos
IV
Ouvi no rádio
A mensagem dos exilados… aos exilados
Todos disseram: estamos bem
Ninguém está triste
Como está meu pai?
Continua, como sempre, amando
A coração
E os filhos…
A terra e as oliveiras
Como estão meus irmãos
Converteram-se por acaso em funcionários
Um dia ouvi meu pai dizer
Todos serão professores
(Passarei fome para comprar-lhe livros)
em nossa aldeia ninguém sabe ler
como vai nossa irmã
cresceu,
pediram-na porventura em casamento?
Como está minha avó
Diante da porta como de costume?
Nos abençoa sempre?
Como anda a casa?
E nosso gasto umbral… a lareira…as portas?
Ouvi no rádio
A mensagem dos exilados… aos exilados
Tudo vai bem
Mas eu estou triste
Me assaltam as dúvidas… devoradoras
O rádio não me trouxe notícias de vocês
Nem sequer tristes
Nem sequer tristes.
V
A noite – ó mãe – é um lobo faminto, cruel
Que acossa o estrangeiro em todas as partes
E que abre o horizonte aos fantasmas
O bosque de álamos sempre enlaça os ventos
Que crime cometemos – ó mãe
Para morrer dois vezes
Uma vez na vida
E outra na morte
Sabes tu quem faz brotar lágrimas?
Suponha que um dia esteja doente
E que meu corpo seja abatido pelo mal
A noite quardará a lembrança
De um refugiado que até aqui chegou e não voltou nunca para seu país
A noite lembrará
Um refugiado morto sem sepultura
Ó, bosque de álamos!… lembrarás tu
Que este que foi abatido debaixo de tua sombra
Era um homem
Lembrarás que sou um homem
E preservarás meu cadáver de rapacidade dos corvos?
Mãe… ó mãe
A quem escrevo estas folhas
Que correio te as levará
As vias terrestres, aéreas e marítimas
Estão fechadas
Igual que o horizonte
E tu mãe
E o senhor meu pai, meus irmãos, meus parentes, os companheiros você
Oxalá estejam vivos
Talves estejam mortos
Talves, como eu, estejam sem endereço
Que dignidade pode ter o homem
Sem pátria
Sem bandeira
Sem endereço
Que dignidade?