A tortura e os maus tratos aos prisioneiros palestinos

Introdução   Nos últimos anos, Israel admitiu abertamente que os interrogadores do ISA (anteriormente Serviço de Segurança Geral) utilizam métodos de interrogatórios “excepcionais” e “pressões físicas” contra os...

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Introdução

 

Nos últimos anos, Israel admitiu abertamente que os interrogadores do ISA (anteriormente Serviço de Segurança Geral) utilizam métodos de interrogatórios “excepcionais” e “pressões físicas” contra os presos palestinos em situações denominadas “bombas de relojoaria”. B’Tselem e Hamoked examinaram esses métodos de interrogatório e a freqüência com que são utilizados, assim como outras práticas penosas. As descobertas do informe se baseiam nos testemunhos de 73 palestinos residentes na Cisjordânia que foram presos e interrogados pelo ISA entre julho de 2005 e janeiro de 2006. Embora não seja uma amostra representativa, proporciona indicações válidas acerca da freqüência do fenômeno referido.

O Marco Legal

O direito internacional proíbe absolutamente a tortura e os maus tratos. Os Estados não podem revogar esta proibição nem sequer nas circunstâncias mais especiais de luta contra o terrorismo. A responsabilidade, no caso de violação, recai não só no Estado, mas também nas pessoas que levam a cabo a ação, que podem ter que enfrentar processos por tal motivo em outros países.

Em uma sentença de setembro de 1999, o Tribunal Internacional de Justiça de Haia determinou que o ISA não possuía autoridade legal para utilizar “meios físicos” contra os presos. Segundo esta sentença, a pressão e certas medidas que provocam incômodo são legítimas só como efeito secundário das necessidades dos interrogatórios e não como meio para destroçar o espírito dos interrogados. No entanto, se estabeleceu que os agentes do ISA que abusaram dos interrogados em situações de “bomba de relojoaria” podiam evitar a acusação. Esta sentença legitima implicitamente esses graves atos contra o direito internacional, que não permite exceção alguma perante a proibição da tortura e os maus tratos.

Debilitação da Resistência” dos Detidos antes do Interrogatório

As testemunhas informaram que, desde o momento de sua prisão até sua transferência ao ISA, foram submetidos a golpes, ataduras dolorosas, insultos e humilhações e a negação das necessidades mais básicas nas mãos do pessoal das forças de segurança. Cerca de dois terços das testemunhas (49 de 73) informaram que haviam sofrido ao menos uma das formas de abuso definidas pelo direito internacional como maus tratos, que inclusive poderia ter alcançado o nível de tortura. Esta investigação não examinava a questão se esses maus tratos tinham como objetivo “debilitar” os presos para os interrogatórios do ISA. Mas essa foi a conseqüência prática.

 

O Sistema de Interrogatórios do ISA: Maus tratos Rotineiros

O sistema de interrogatórios do ISA inclui sete aspectos chave que provocam danos, em graus diversos, à dignidade e à integridade física dos presos. Essas lesões eram mais intensas ao utilizar exercícios combinados dessas práticas durante o período de interrogatório que, no caso das testemunhas da amostra, costumava durar cerca de 35 dias:

1.      Isolamento do mundo exterior, proibição de reunir-se com outros presos e seus advogados ou com representantes do Comitê Internacional da Cruz Vermelha:

2.      Uso das condições de encarceramento como meio de pressão psicológica: confinamento na solitária e em celas pútridas e sufocantes;

3.      Uso das condições de encarceramento como meio para debilitar o corpo: impedindo a atividade física, ruídos durante o sono, alimentação inadequada;

4.      Obrigação de se colocar na posição do “shabah”: atando de forma dolorosa a uma cadeira os pés e às mãos do preso.

5.      Insultos e humilhações: maldiçoes, revistas no estado de nudez, gritos, cusparadas, etc.;

6.      Ameaças e intimidação: incluía a ameaça de tortura física, prisão de familiares, etc.;

7.      O uso de informantes: “asafir”: extração de informação; este método, como tal, não traz danos, mas sua eficácia depende em grande medida dos maus tratos aos presos imediatamente antes dos interrogatórios.

Estes métodos foram empregados contra a maioria das testemunhas incluídas na amostra. Essas medidas não são inevitáveis efeitos secundários das necessidades de detenção e interrogatório, mas possuem por objetivo quebrantar a psicologia dos interrogados. Como tais, se desviam da sentença do TIJ e constituem, segundo o direito internacional, maus tratos proibidos. Além disso, sob certas circunstâncias, pode acrescentar a tortura a essas medidas.

Métodos “Especiais” de Interrogatório

Em alguns casos, além das medidas rotineiras, provavelmente nas consideradas “bombas de relojoaria”, os interrogadores do ISA utilizavam também métodos “especiais” que em sua maioria implicavam o uso de violência física direta. Os sujeitos da amostra descreveram sete desses métodos:

1.      Privação do sono durante 24 horas (15 casos).

2.      Golpes no “seco” (17 casos);

3.      Algemas colocadas de forma muito apertada e dolorosa que cortavam a circulação sanguínea (5 casos);

4.      Puxões repentinos do corpo que causavam dor nas mãos que haviam sido atadas juntas e algemadas na cadeira por trás (6 casos);

5.      Puxões repentinos da cabeça para os lados ou atrás (8 casos);

6.      Colocados na posição de rã (obrigando os presos a andar nessa posição), acompanhado de empurrões (3 casos);

7.      A postura da “banana”: dobrar em arco as costas do interrogado enquanto está sentado em uma cadeira sem encosto com as mãos presas aos pés (5 casos).

Estas medidas são definidas como tortura pelo direito internacional. Foram utilizadas com freqüência, quando não de forma rotineira. O TIJ sentenciou que os interrogadores do ISA, que abusaram dos interrogados em situações de “bomba de relojoaria”, podiam estar isentos de responsabilidade criminal, mas somente quando o mau trato fosse utilizado como resposta espontânea de um interrogador perante um acontecimento inesperado. Na prática, todas as evidências indicam o fato de que os métodos “especiais” estavam previamente autorizados e que eram utilizados seguindo uma normativa programada com antecedência.

Mecanismos de Encobrimento

Os maus tratos e torturas aos presos palestinos por parte dos soldados e interrogadores do ISA não acontecem no vazio, mas sob os auspícios do sistema de aplicação da lei israelense.

Apesar do fato de que desde 2001 o Escritório do Fiscal do Estado recebeu 500 demandas contra os maus tratos dos interrogadores do ISA, não foram encontrados motivos para iniciar uma só investigação criminal. As decisões do Fiscal do Estado sobre esta questão se basearam nas averiguações de um exame dirigido pelo “Inspetor de Demandas dos Interrogados do ISA”, que é agente do ISA e responsável perante o diretor da organização. Inclusive, embora as investigações tenham mostrado que os interrogadores do ISA abusaram efetivamente de um interrogado, o Escritório do Fiscal do Estado encerrava o caso se baseando em uma interpretação parcial da sentença do TIJ de 1999 sobre a aplicabilidade da “necessidade da defesa”.

A maior parte dos casos de maus tratos cometidos por soldados contra palestinos não se investigam em sigilo, e poucos casos que se investigam chegam a culminar em uma acusação. Em muitas das situações isto se deve a diversas sentenças institucionais, por exemplo, atraso na instigação de investigações, etc. Ademais, deve assumir que se as autoridades não levam a cabo um esforço concertado e ativo, as oportunidades dos presos de apresentar demandas sobre as lesões sofridas durante sua prisão são muito escassas.

O sistema de interrogatório do ISA se viu assim fortalecido de forma significativa pelo TIJ, que atua aprovando sem mais nem menos as ordens que regulam o isolamento dos interrogados do mundo exterior. O TIJ não aceitou sequer uma  das centenas de petições que foram apresentadas contra essas ordens. O TIJ permite também que o ISA oculte de forma rotineira aos presos o fato concreto de que se publicou uma sentença contra eles, nem os procedimentos legais que caberiam no seu caso. Tudo isto com o propósito de aumentar as pressões psicológicas utilizadas.

Recomendações

1.      Ordenar o ISA que deixe, imediata e completamente, de utilizar todos os métodos de interrogatório que ferem a dignidade ou a integridade física dos presos;

2.      Colocar em andamento uma legislação que proíba estritamente a tortura e os maus tratos, impedindo a suposta “necessidade de defesa” de que usufruem os funcionários públicos suspeitos de tais atos;

3.      Determinar que qualquer demanda apresentada contra os interrogadores do ISA em conceito de maus tratos durante os interrogatórios seja investigada por um órgão independente, e que se julgará os responsáveis em todos aqueles casos em que se demonstre que a demanda está justificada;

4.      Documentar os interrogatórios do ISA mediante filmagens de vídeo e abrindo as instalações onde o ISA leva a cabo os mesmos para poder realizar um controle externo objetivo, incluindo o controle de um Relator Especial das Nações Unidas para os casos de tortura;

5.      Assegurar, na legislação e na prática, que cada preso está sendo tratado desde o momento de sua prisão com um mínimo de humanidade, abolindo toda as disposições que estabeleçam discriminações contra os presos de “segurança” com relação a tais condições;

6.      Abolir as normas militares que permitem que o ISA impeça com que os presos possam reunir-se com seus advogados, aplicando os mesmos padrões aos presos palestinos que estabelece a Lei de Prisões Israelense.

7.      Levar perante a justiça os funcionários das forças de segurança que tenham abusado dos presos palestinos.

B’Tselem é o Centro de Informação Israelense para os Direitos Humanos nos Territórios Ocupados. Foi estabelecido em 1989 por um grupo importante de acadêmicos, advogados, jornalistas e membros da Knesset. Seus objetivos se concentram em documentar e educar o público e políticos israelenses com relação às violações de direitos humanos que ocorrem nos Territórios Ocupados, combater o fenômeno de recusa a conhecer essa realidade entre o público israelense e ajudar a criar uma cultura pela defesa dos direitos humanos em Israel.

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