
Ilan Pappé: “A solução de dois Estados morreu faz uma década”
ORIENTE MÉDIO
Escrito por Ilan Pappé
Dom, 06 de Outubro de 2013 13:46
Vinte anos depois da assinatura dos acordos de Oslo entre Israel e a OLP (Organização para a Libertação da Palestina), acordos que deram origem à ANP (Autoridade Nacional Palestina) como bantustões[i] coloniais administrados pela OLP, volta à mesa a proposta da falsa solução dos “dois Estados” (um israelense e outro palestino) para a região palestina.
A LIT-CI se opôs a esta “solução”, por considerar que, por um lado, legitima de modo definitivo a usurpação básica do território histórico palestino, que significou a criação do Estado de Israel, em 1948, e, pelo outro, significa a criação de um mini-estado palestino inviável, que liquidaria a possibilidade de retorno dos milhões de palestinos exilados. Apresentamos a seguir um artigo de Ilan Pappé, historiador israelense, opositor ao sionismo e hoje exilado em Londres, onde atua como diretor do Centro Europeu de Estudos Palestinos na Universidade de Exeter, Reino Unido. É autor de numerosos livros, o mais conhecido deles chama-se “A limpeza étnica da Palestina”.[ii]
A recente tentativa de retomar as “conversações de paz” entre Israel e os palestinos tem tanta probabilidade de êxito quanto as tentativas anteriores. Ela ocorre 20 anos depois da assinatura dos “Acordos de Oslo” entre Israel e a OLP.
Os Acordos de Oslo foram um duplo evento. Houve uma Declaração de Princípios, assinada cerimoniosamente no jardim da Casa Branca, no dia 13 de setembro de 1993; e depois o menos conhecido e celebrado acordo de “Oslo II”, assinado em setembro de 1995, em Taba, no Egito, que delineou a implementação da Declaração de Princípios segundo a interpretação israelense.
Os israelenses interpretaram os Acordos de Oslo como mera ratificação, tanto internacional como palestina, da estratégia que os israelenses tinham formulado em 1967 a respeito dos territórios ocupados. Após a guerra de 1967, todos os sucessivos governos israelenses se empenharam em manter a Cisjordânia como parte de Israel. Para eles, a Cisjordânia era tanto o coração de sua antiga terra natal, como um ativo estratégico para evitar a divisão do Estado em dois, caso ocorresse outra guerra.
Ao mesmo tempo, a elite política israelense não queria outorgar a cidadania às pessoas que ali viviam, nem considerou seriamente sua expulsão. Queriam conservar o território, mas não o povo. A primeira Intifada palestina (1987), no entanto, demonstrou o custo que tinha a ocupação, o qual levou a comunidade internacional a exigir de Israel uma exposição mais clara de seus planos para o futuro da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. Para Israel, os acordos de Oslo eram essa “declaração de interesses”.
Os Acordos de Oslo não eram um plano de paz para os israelenses; eram uma solução para o paradoxo que tinha preocupado Israel: querer o espaço físico sem os povos que o habitam. Esse foi o problema do sionismo desde o seu nadcimento: como tomar para si uma terra sem sua população nativa, em um mundo que já não aceitava mais o colonialismo e a limpeza étnica?
Os acordos Oslo II proporcionaram a resposta: empregar o discurso da paz, e, paralelamente, criar fatos consumados que levariam a população nativa ao confinamento em pequenos espaços, ao mesmo tempo em que as parcelas restantes do território seriam anexadas gradativamente a Israel.
Em Oslo II, a Cisjordânia foi dividida em três áreas. Só uma delas, a Área A, onde a população palestina vive em zonas densamente povoadas, não seria controlada diretamente por Israel. Tratava-se de um território não homogêneo, que constituía meros 3% da Cisjordânia em 1995, e cresceu até aproximadamente 18% em 2011. Os israelenses garantiam autonomia a essa área e criaram a Autoridade Nacional Palestina (ANP) para administrá-la. As outras duas áreas, B e C, seriam governadas diretamente por Israel, no primeiro caso, e supostamente em forma conjunta (mas também diretamente, na prática), no segundo.
Oslo foi concebido para permitir a Israel perpetuar essa matriz de partição e controle por um período muito longo de tempo. A segunda Intifada palestina, em 2000, mostrou que os palestinos não estavam dispostos a aceitar tais condições. A resposta israelense foi buscar mais um acordo de Oslo ‑ que talvez devêssemos chamar de “Oslo III” ‑ que lhes garantisse de novo aceitação internacional e palestina para a forma com que pretendem governar os territórios ocupados. Isto é, dar-lhes uma autonomia limitada nas áreas palestinas densamente povoadas e manter total controle israelense sobre o resto do território. Isto serviria como uma solução permanente, em que essa “autonomia” seria posteriormente chamada de “estabilidade”.
Mas alguma coisa mudou na visão israelense sobre os acordos de Oslo desde o ano 2000. Ainda no século passado, é possível que os líderes políticos de Israel fossem honestos em sua proposta de ceder a Área A da Cisjordânia e Gaza para o Estado palestino. No entanto, a elite política que tomou o poder neste início de século, ao mesmo tempo em que emprega o discurso dos dois estados, estabeleceu na prática ‑ sem declarar tal fato publicamente ‑ um único Estado israelense, no qual os palestinos e palestinas da Cisjordânia terão o mesmo status secundário que aqueles que vivem dentro de Israel. Também encontraram uma solução especial para a Faixa de Gaza: convertê-la em um gueto.
O desejo de manter o status quo como uma realidade permanente se converteu em uma estratégia bem definida com a ascensão ao poder de Ariel Sharon, no início deste século. A única dúvida que ele teve foi sobre o futuro da Faixa de Gaza; e logo que encontrou a fórmula da transformação da Faixa de Gaza em um gueto ‑em vez de governá-la diretamente‑, não sentiu necessidade alguma de mudar essa realidade de maneira significativa em nenhuma outra parte.
Essa estratégia está baseada na hipótese de que a longo prazo a comunidade internacional dará a Israel, senão legitimidade, ao menos indulgência para seu controle permanente sobre a Cisjordânia. Os políticos israelenses são conscientes de que essa estratégia isolou Israel frente à opinião pública mundial, convertendo-o em um Estado marginal aos olhos de grupos da sociedade civil em todo mundo. Mas, ao mesmo tempo, os israelenses ficam aliviados por saber que, até agora, essa tendência global teve pouco efeito sobre as políticas dos governos ocidentais e seus aliados.
Qualquer esperança de reanimar saídas positivas a partir das ideias originais que levaram os palestinos a apoiar os Acordos de Oslo em 1993 deixou de existir com o governo de Ehud Olmert, em 2007, quando foram enterrados, para todos os efeitos, tanto os Acordos de Oslo como a solução de dois estados.
Essa estratégia foi definida por Olmert como “unilateralismo”. O fundamento dessa política é que não haverá paz num futuro próximo ou previsível, e por isso Israel tem que decidir “unilateralmente” o destino da Cisjordânia. Os esforços diplomáticos neste século fizeram muito pouco para alterar a implementação dessa estratégia.
Atualmente, ela se desenvolve claramente sobre o teatro de operações. A Cisjordânia está dividida em dois espaços: um judeu, outro palestino. As áreas judias são mais ou menos equivalentes à “Área C”, de Oslo, onde Israel tem o controle total, mas também a partes da “Área B”, onde a ANP e Israel compartilham o controle. Juntas, conformam quase a metade da Cisjordânia.[iii]
Israel ainda não anexou oficialmente o território “judeu”, mas poderia fazê-lo no futuro. Por ora, a identidade étnica desse território está determinada por uma presença judaica massiva, junto com uma progressiva limpeza étnica dos habitantes palestinos nessas zonas, ou empurrando-os a enclaves estreitos dentro desse espaço “judeu”. O espaço “palestino”, por sua vez, é a “Área A”, controlada pela ANP, onde Israel se reserva o direito de entrar livremente com seus agentes secretos, unidades especiais e, se necessário, forças armadas em grande escala, sempre que considera necessário.
Para os principais políticos e generais israelenses responsáveis por formular as políticas, isto não é uma situação temporária, senão uma forma de vida que pode ser mantida durante muito tempo. Complementa-se com uma série de medidas que são de suma importância para qualquer pessoa comprometida na luta contra a ocupação. A primeira é econômica: o governo de Israel continua investindo imensas somas de dinheiro nas colônias, e, como resultado, essas colônias têm sofrido uma expansão urbana, com toda a infraestrutura moderna de uma nova metrópole. O dinheiro é utilizado principalmente para a construção civil dentro das colônias existentes, mas também para ampliar a área ao redor delas, de tal maneira que se converteram em uma característica permanente da paisagem.
A segunda medida é a perda contínua do caráter árabe da área da “Grande Jerusalém”: mais de 250.000 palestinos foram expulsos dessa área, que cobre quase um terço da Cisjordânia. Isto ocorre a partir da demolição de casas, as prisões por motivos políticos e, sobretudo, não permitindo aos palestinos regressar à área da Grande Jerusalém quando cometem o erro de sair dela.
A terceira medida é a rede de muros. Seu elemento mais visível é o famoso “Muro do Apartheid”, que dividiu a Cisjordânia em duas, para comprometer a integridade territorial de qualquer futuro Estado palestino. A rede também inclui as cercas e barreiras menores que isolam a maioria das aldeias e povoados palestinos, a fim de impedir qualquer desenvolvimento territorial para além dos limites nos quais o povo vive agora.
Em 2013, portanto, eis em que consiste o Estado de Israel: uma república sionista que se estende entre o Mediterrâneo e o rio Jordão, com um número quase igual de população palestina e judaica. Esta realidade demográfica coloca em risco, por enquanto, a identidade judaica do Estado, ou a “democracia” dos amos.
Não existem partidos políticos de importância em Israel que queiram mudar essa realidade. Também não existe um plano real do Ocidente para frear a consolidação deste Estado único na prática; muito menos para oferecer seriamente uma alternativa viável. Fatores tais como a fragmentação do lado palestino, a desintegração dos estados nacionais árabes vizinhos, e o apoio incondicional e contínuo dos EUA a Israel, atuam como um amortecedor que protege a sociedade judaica israelense de qualquer ameaça potencial a seu Estado expandido, racista, mas economicamente viável.
A validade moral deste novo Estado de Israel geopoliticamente expandido foi desgastada significativamente desde que a sociedade civil palestina lançou há alguns anos a vitoriosa campanha de “Boicote, Desinvestimento e Sanções” (BDS). As próprias ações de Israel têm contribuído para sua crescente perda de legitimidade frente aos olhos da sociedade civil de todo o mundo.
A luta passada do Ocidente contra o regime do apartheid na África do Sul demonstrou que a rejeição intencional à legitimidade de um regime é um processo crescente, e isso ainda pode acontecer com o novo Estado expandido de Israel. Portanto, o papel dos amigos e amigas da Palestina em todo o mundo não mudou, e é continuar pressionando seus governos com o mesmo compromisso e vigor para sancionar esse regime por suas políticas criminosas.
A estratégia para os povos que vivem na região também não mudou muito. Quanto mais cedo se derem conta de que já não podem lutar por uma Palestina independente dentro do “espaço palestino”, melhor. Poderiam então concentrar esforços para se unir à frente palestina e elaborar a estratégia de um plano de luta, junto com israelenses progressistas, para uma mudança de regime neste novo Estado único que se estabeleceu em 2001. Precisa-se urgentemente de uma nova estratégia para reformular a relação entre judeus e palestinos na terra de Israel e da Palestina.
O único regime razoável parece ser um estado democrático para todos e todas. Se isto não ocorrer, a tormenta nas fronteiras de Israel se acumulará com uma força ainda maior do que teve até agora. Por todas os lados no mundo árabe, os povos e os movimentos estão buscando formas de mudar os regimes e as realidades políticas opressivas. Certamente isto chegará também ao novo Estado de Israel; se não hoje, amanhã. Os israelenses podem ocupar o melhor camarote no Titanic, mas o navio continua afundando, de qualquer maneira.
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[i] “Bantustões” (“Bantustão”, no singular) eram Estados artificiais criados pelo regime do apartheid, na África do Sul, onde a população negra podia residir de maneira supostamente autônoma. Serviam sobretudo para manter os negros afastados das regiões habitadas pelos brancos e como fontes de mão de obra barata para o regime.
[ii] Artigo publicado originalmente em Information Clearing House (15-9-2013) http://www.informationclearinghouse.info/
Tradução para o espanhol de María Landi
http://mariaenpalestina.wordpress.com
[iii] Na realidade, os números são distintos: a maioria dos relatórios de organismos como a OCHA ou Pt (da ONU) sustentam que só a superfície da “Área C” constitui 62% da Cisjordânia, enquanto as Áreas “A” e “B” juntas constituem 38%. (Nota de María Landi.)
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